Momento Mágico

A visita das palavras

Não sei se acontece com outros escritores. Comigo é frequente. Sentado há dias diante do computador, abandonado pelas palavras! Por alguma razão, desapareceram. Sonho com um romance maravilhoso, me arrasto neste sonho, me consolo imaginando a fila de autógrafos… Mas eu preciso das palavras! Cadê? Tento recolhê-las como piolhos escondidos no farto pelo do meu cão maltês. Mas nada, quase nenhuma. Algumas. Que ariscas, logo fogem. As poucas que ficam, brigam entre si. Os adjetivos querem se impor, os substantivos reagem. Tão poucas, que não dá pra um conto de cinco linhas! Preciso de milhares. Dezenas de milhares! Será que eu tenho medo delas?

Veja meu romance. Mais de mês e não passa da décima página. Um amontoado de palavras tacanhas cercadas de significados confusos. Nada empolgantes. Minha mente árida é incapaz de motivá-las! Minha imaginação fragiliza-se. Ela não consegue convidar as palavras a se aproximaram, a tecerem a história maravilhosa que eu quero contar. As idéias estão aqui, pululando na minha cabeça. Feito insetos agitando-se em volta da luz acesa. O enredo morre de sede, morre de fome, clama pelas palavras! Sem elas, o que dizer? Debruço-me, desconsolado, diante da página que continua em branco. Até quando?

Irritado, me levanto. Vou até a janela. A rua sob o luar noturno da madrugada. E o que vejo? Palavras! Milhares delas! Sentadas no meio fio da rua deserta. Enfileiradinhas. Algumas coçam as pernas, a maioria de braços cruzados. Ao me verem, se voltam para mim e me observam. Nada dizem. Imóveis, estão silenciosas. Com pena de mim. Lógico que estão com pena de mim! Só ver os olhos tristes com que me olham. Então tenho uma ideia! Me agito. Corro, desço as escadas, abro a porta da frente, escancaro a rua! Observo-as, tímido, inseguro. Elas se voltam pra mim. Me envergonho e fujo. Corro pra cima, volto para a minha mesa. Me sento e fixo o olho na tela vazia. Fico calado, ansioso, esperando. Acredito, tenho confiança. Estou até relaxado. Aí ouço passos. Sons abafados, murmúrios excitados. São elas, as palavras! Entrando pela porta, subindo as escadas! Sinto respirações ofegarem às minhas costas. São elas se aproximando. Momento tenso. Mas também mágico!

 

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