Bohemian Rhapsody
UMA RAPSÓDIA AO AMOR
O filme BOHEMIAN RHAPSODY (135’), do diretor Bryan Singer, Reino Unido (2018), tem sido visto por grande número de admiradores daquele que foi um dos maiores performers a subir nos palcos da música pop e rock. Nem se trata de colocar Freddie Mercury ao lado de um Michael Jackson, ou de uma Madonna, só para ficar nestes dois. Cada um deles é. E Freddie era, é, e se depender dos fãs será por muito tempo um destes artistas venerados pelo que eles simbolizam de sucesso, de magia e, às vezes, de trágico. O filme, no entanto, não é propriamente uma biografia do cantor. Bohemian Rhapsody se propõe antes de tudo a narrar a empolgante e às vezes conturbada trajetória da banda Queen, desde seu início, em 1970, até a morte de seu fenomenal frontman, em 1991. Sabemos que a banda não é só o vocalista. Quando se fala de rock, fala-se também do instrumental que dá o ritmo frenético, embala e leva ao delírio multidões que lotam estádios de futebol. Mas de nada valerá tanta virtuose sem aquele que move a multidão e retroalimenta seus delírios. E neste quesito, Freddie Mercury era quase imbatível. Como artista, ele era tão visceral, no palco e fora dele, que acabou por antecipar o seu fim. E aqui reside talvez o sucesso, a empatia e a força narrativa do filme. Não é um filme sobre Freddie ou sobre a banda Queen, em que pese o roteiro se debruçar, à exaustão, sobre estas duas imagens. O filme trata mesmo é da busca obsessiva pelo sonho de ser o que se nasceu para ser. Freddie era a música e tudo que girava em torno dele apenas servia para reafirmar o que ele sempre soube. Que sem música não há vida. Tanto não há, que ele morreu por ela.
Neste diapasão, o filme começa e termina com um dos momentos mais emblemáticos da banda. Sua participação, em julho de 1985, no Live Aid, que aconteceria em Londres, no antigo estádio de futebol, Wembley. E logo ficamos conhecendo como a banda se formou, seu início, as dificuldades em se firmarem no mercado fonográfico, as primeiras composições, os primeiros sucessos, as turnês, as conturbadas relações interpessoais, leia-se, as dificuldades de Bryan May (Gwilym Lee), John Deacon (Joseph Mazzello) e Roger Taylor (Ben Hardy) em lidarem com as intempestividades de um Freddie incontrolável. Disseca também o afeto que existia entre eles e que os unia. Um Freddie que não era apenas uma estrela que tinha plena consciência da sua importância como artista e como provedor de sucessos, mas também um ser humano que se afundava, perpassando por sua sexualidade, no mundo insuportável da solidão. E nesta solidão, ele encontrava apenas uma luz. Acolhedora. E que viria a ser seu grande amor. Mary Austin.
Dispensamos aqui tecer maiores discussões sobre o filme propriamente dito, inclusive sobre os questionáveis ajustes factuais (e temporais) em prol de uma linha narrativa mais sensacionalista e dramática. No entanto, muito se falou sobre isso e não há como nos omitirmos.
Um efervescente roteiro precisa de clímaxes e anticlimaxes, de preferência em abundância, e nisto o roteirista de Bohemian Rhapsody foi prodigioso, a ponto de nos colocar, os fãs que sempre querem saber da verdade, em sérias dúvidas sobre o que realmente aconteceu e o que são apenas factoides. Tirante as obviedades, aquilo de que já sabemos e que é inquestionável, surgem-nos, à medida que o filme vai se desenrolando, inquietantes perguntas sobre a veracidade dos acontecimentos, tais como… De fato, tiveram que vender a Kombi para arrecadar dinheiro para o lançamento do primeiro disco? Existiu mesmo essa Kombi? Quem primeiro ficou sabendo que Freddie estava com AIDS? E quando? Jim Hutton (Aaron McCusker) foi mesmo garçom? Em que pese não se tratar de uma biografia minuciosa do homem e ser humano Farrokh Bulsara (Freddie), portanto, para além do artista, de uma coisa temos certeza. Do amor de Freddie Mercury (Rami Malek, Oscar de Melhor Ator) por Mary Austin (Lucy Boynton).
Um dos jornais de grande circulação catalogou este amor como “estranho”. Estranho? Como assim…? Por acaso existe amor estranho? Por que seria estranho? Só porque, dentro da sua bissexualidade, Freddie optou por vivenciar suas relações com homens? E não poderia se comportar como “hétero”, isto é, amar uma mulher? A ponto de ele — eis a estranheza! — ter-lhe deixado a fortuna?
Em suma. O grande ato de dignidade de Freddie Mercury foi ter respeitado a mulher Mary, e nisto reside a grandeza do seu amor, assentada no caráter, portanto, no respeito à vida do outro. Mesmo tendo se afastado de Freddie, após ter ele assumido diante dela sua bissexualidade, e ter ela se casado com outro homem e tido com ele dois filhos, Mary nunca abandonaria Freddie. Foi, sim, um amor eterno, pois ele existiu até que a morte veio separá-los! Um destes amores para ficar no imaginário do público, e não nas inquietantes páginas dos jornais. Quanto ao filme em si, cumpriu sua missão comercial e publicitária. E ainda ofereceu ao público amante da boa música e de histórias de bastidores momentos para relembrar o ídolo que marcou gerações.
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