Roberto Gerin

Resenha A Escolha de Sofia, de Roberto Gerin

NOSSA HISTÓRIA NOS ACOMPANHA 

Quando decidimos assistir a um determinado filme, sempre teremos uma ou várias razões para justificar nossa escolha. Podemos ser motivados pelo título. Ou pela temática. Ou pela maravilhosa atriz. Ou pelo irresistível ator. Há também a escolha por esse ou aquele diretor, atitude usual àqueles que prezam a direção como fonte segura de bons filmes. E assim podemos ir elencando motivações que nos levarão a escolher a que assistir. É o que pretendemos fazer com o doloroso filme A ESCOLHA DE SOFIA (135’), direção de Alan J. Pakula, EUA (1982). Apresentar razões concretas que levem o espectador a desejar assisti-lo. No entanto, preste atenção no adjetivo – doloroso.  Ele pode ser um motivo de escolha ou de rejeição, já que o que não faltam em A Escolha de Sofia são dores.

Primeira razão para assistir ao filme: o título. Instigante. Todo mundo e cada um de nós já passou pelo dilema das escolhas difíceis. Outra razão é a atriz Meryl Streep, no papel de Sofia, uma de suas grandes atuações. Levou, entre outras premiações, a estatueta do Oscar de Melhor Atriz. Outra boa razão é o ator Kevin Kline, injustamente esquecido nas indicações a prêmios, no papel do exuberante Nathan Landau. E tem também a temática, que aborda a relação destrutiva de um casal de namorados, tendo como pano de fundo os horrores do holocausto. E conta ainda, a favor do filme, o roteiro, equilibrando-se entre presente e passado, nos conduzindo, em ritmo seguro, ao inesperado desfecho. Portanto, caro espectador, diante de tudo o que dissemos acima, a escolha agora é sua.

Sofia e sua história pessoal, eis o tema que interessa em A Escolha de Sofia.

A temática que permeia a narrativa de A Escolha de Sofia é a relação tumultuada e ao mesmo tempo poética entre Sofia Zawistowski, polonesa católica, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, e Nathan Landau, judeu norte-americano, dominado por uma mente brilhante, mas transtornada. Seus rompantes persecutórios se voltam contra Sofia, que, pacientemente, mantém-se fiel ao lado do namorado. E vem se juntar aos dois o jovem sulista Stingo (Peter MacNicol), vizinho de baixo, pretendente a se tornar um grande escritor. Ele vai aos poucos estreitando amizade com o casal e recebendo, com isso, os respingos das brigas que acontecem no andar de cima. Como poderemos observar, o encontro imperfeito destas três almas gera a alquimia propulsora do drama em direção ao trágico.

No entanto, aos poucos vamos percebendo que o tema central do filme não é a relação doentia entre Sofia e Nathan. Sofia e sua história pessoal, eis o tema que interessa.

O filme é baseado no romance de mesmo título, A Escolha de Sofia, de William Styron (1925-2006), um escritor estadunidense sulista, grande nome da literatura norte-americana do século XX, e que tem em Stingo seu alter ego. O autor compõe um painel emocionante de uma história baseada em fatos reais. O que não é real, afinal, em um campo de concentração? Ali não cabem mentiras e dramatizações. E o ponto alto do roteiro é justamente a precisão com que, à medida que o filme avança, a história de Sofia, na Polônia, e sua dolorosa passagem por Auschwitz, vão sendo reveladas, em toda sua crueza e covardia.

A estrutura narrativa do filme A Escolha de Sofia é construída a partir de mentiras.

Entretanto, não cabe aqui entrar em detalhes sobre a história de Sofia. Primeiro, o que se vai mostrar de um campo de concentração já está exaustivamente retratado nas telas dos cinemas — em que pese ser sempre uma temática tão interessante quanto absurda. E inesgotável. Segundo, temos o cuidado de não revelar o desfecho. Portanto, vamos nos ater a duas questões.

A primeira. A estrutura narrativa do filme é construída a partir de mentiras, o que acaba dando consistência ao enredo, uma vez que o provável desfecho de toda mentira é ser desmascarada. Em A Escolha de Sofia, as mentiras tecem uma realidade que nos é mostrada em detalhes, com muita verossimilhança. Nesse sentido, verdades e mentiras se entrelaçam diante de nossos olhos. Se o propósito é confundir o espectador, tudo bem, o filme consegue. E como dito acima, o único lugar em que não cabem mentiras é o que acontece em um campo de concentração. Portanto, quanto mais o filme se aproxima de Auschwitz, mais as verdades vão sendo reveladas.

A segunda questão é mais visível em A Escolha de Sofia. Fala da relação de codependência entre Sofia e Nathan. Sofia foi presa fácil para a loucura de Nathan. Sem estrutura alguma, nem física nem psicológica, ela se deixou ser capturada por ele. Não basta apenas nos perguntarmos por que as pessoas se destroem numa relação em que os momentos felizes são oferecidos a conta-gotas. Precisamos também entender por que não se consegue evitar a chegada da próxima tempestade (briga), mesmo sabendo que ela está próxima e virá para destruir mais um pouco do que ainda resta. Porque ela destrói, praticamente tudo. Menos a relação, pois um continuará preso ao outro, para juntos produzirem novos e dolorosos confrontos.

“Você não vê que estamos morrendo?”.

Essa é a questão que se coloca. Temos dificuldade de entender por que as pessoas se sentem tão impotentes em sair de relações abusivas. No caso de Sofia, à medida que o filme vai nos mostrando como foi desenhado, nos últimos anos, o seu perfil emocional, passamos a entender seus movimentos psíquicos. Ela precisava se destruir para expiar suas culpas. E encontrou quem a ajudasse a fazer isso, um louco chamado Nathan. É o que ele diz para ela, logo no começo do filme. “Você não vê que estamos morrendo?”. Não era isso que ela queria?

Em suma. O que temos que aceitar, e admitir, é que nossas dores precisam da mentira. Apesar de assustadora, essa conclusão parece ser um fato. Afinal, temos que nos proteger da verdade. Somos amáveis, frágeis, perplexos e sonhadores. Mas parece que perdemos nossas virtudes ao longo do caminho. E essa perda não está ligada ao que somos, mas à maneira como passamos pela nossa história. Portanto, só temos uma saída. Se quisermos nos resgatar, temos que abrir, uma a uma, as caixinhas das nossas verdades. Mesmo que isso nos aterrorize. Pois, se assim não o fizermos, provavelmente seremos presas fáceis. Como Sofia.

 

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