Uma Mente Brilhante
A FICÇÃO PRECISA DA REALIDADE
Sempre que um filme vem com a credencial de ter sido baseado em uma história real, ficamos com um pé atrás a respeito da fidedignidade com que essa tal história real é retratada. É justo, porque sabemos que a liberdade ficcional é condição primeira para que roteirista e diretor possam fermentar a massa dramática necessária para que o filme ganhe sabor próprio, desprendendo-se da realidade que lhe deu vida. Sem falar no aspecto comercial, muitas vezes impositivo. O premiado filme UMA MENTE BRILHANTE (150’), dirigido por Ron Howard, EUA (2001), parece se encaixar na máxima acima. Baseado na biografia do matemático John Nash, contada por Sylvia Nasar em livro que empresta o título ao longa, o filme ganha, nas mãos do roteirista Akiva Goldsman, voo próprio. Em outras palavras. Akiva molda a narrativa de acordo com as imposições estético-comerciais de Hollywood. Tirante as críticas sobre a liberalidade ficcional, não podemos negar que o espectador é brindado com um filme corretamente fantástico. E é isso, afinal, que importa.
O filme conta a história pessoal de John Nash, desde os primeiros tempos de universidade, quando começa seus estudos matemáticos, passando pela sua obsessão em criar uma ideia original. E ele acaba aprimorando a teoria dos jogos, o que o tornaria famoso já aos vinte e um anos de idade. Passa depois a exercer a função de professor, quando então se casa com a ex-aluna Alicia (a bela Jennifer Connelly). O filme ganha em densidade humana e dramaticidade narrativa quando se põe a percorrer a trajetória do matemático na sua luta contra a esquizofrenia, diagnosticada por volta dos seus trinta anos de idade.
Reside na sua busca por levar uma vida normal, a força humana que exala por todos os poros de Uma Mente Brilhante.
A genialidade de John Nash o levaria a ser cooptado pelo governo norte-americano, que o encarrega de decifrar códigos de espionagem. São os tempos difíceis da Guerra Fria. Portanto, um prato cheio para sua doença mental se manifestar com toda virulência, já que um dos sintomas mais evidentes da esquizofrenia é a paranoia ou, trocando em miúdos, mania de perseguição. Naqueles tempos de delações e delírios, o que não faltavam eram os inimigos reais se misturando ao alarmismo imaginário, gerado pela propaganda do medo.
Mas, enquanto John Nash passa os anos lidando dolorosamente com sua doença, ele não abandona suas buscas pelo conhecimento matemático original, vindo, inclusive, a ser coroado com o prêmio Nobel de Economia, em 1994, sonho último de qualquer cientista, tanto pelo reconhecimento do seu trabalho quanto pela gorda conta bancária.
Diversão enquanto nos comovemos, isso é o que realmente Uma Mente Brilhante nos oferece.
Mas quem foi de fato esse John Nash?
Primeiramente, John Nash foi um sujeito brilhante representado nas telas por um ator brilhante, Russell Crowe. Em segundo lugar, John Nash soube usar sua mente privilegiada para conviver com sua doença mental. Reside aqui, na sua busca por levar uma vida normal, a força humana que exala por todos os poros de Uma Mente Brilhante. Não se trata de ter o problema, trata-se de buscar a solução para esse problema, mesmo que a solução seja apenas aprender a conviver com a esquizofrenia. Não à toa, o verdadeiro John Foster Nash viveu até seus oitenta e sete anos (1928-2015) dentro de uma possível normalidade. Real e imaginário foram divididos por uma linha bem riscada, posto que “é tão real que não se vê que é imaginário”. Palavras, sábias, de John.
Em suma. Enquanto vai se deliciando com a poderosa história de John Nash, convidamos o espectador a prestar atenção no figurino de Alicia, em especial o vestido vermelho, logo no início do filme, infinitamente belo; e também a prestar atenção no preciso trabalho de caracterização das personagens, principalmente nas riquíssimas expressões faciais do fabuloso Russell Crowe; e no movimento minucioso da câmera, e também na maquiagem e na trilha sonora, perfeita para criar a atmosfera de dor e apreensão. Ah, e a fotografia! Enfim, tudo é cuidadosamente armado para provar que a ficção é apenas uma leve curva que desvia a realidade do seu caminho, com a sagrada missão de divertir e comover. Diversão enquanto nos comovemos, isso é o que realmente Uma Mente Brilhante nos oferece. O resto é só uma bela ficção.
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