Roberto Gerin

Resenha Lady Bird Roberto Gerin

É POSSÍVEL VIVER SEM O AFETO DA MÃE?

Um filme que se propõe a narrar o cotidiano de uma personagem tem, necessariamente – não obrigatoriamente – que passar pelas relações familiares. É o que acontece com o convincente e premiado filme LADY BIRD – A HORA DE VOAR (95’), direção de Greta Gerwik, EUA (2017), que vai contando, num tom bastante realista, os conflitos e dilemas da adolescente Christine McPherson. O filme ganha em emoção e consistência quando se detém, sem nenhum pudor, na conturbada relação mãe e filha, conflito, aliás, recorrente na maior parte das famílias normais. Pois, onde tem conflito, geralmente tem mãe. Em Lady Bird não é diferente.

Uma jovem, mentalmente efervescente, está em busca do seu caminho no mundo e passa pelos sentidos da vida numa atitude de contestação e reposicionamento frente ao que lhe é determinado. Mas o que é realmente importante para uma jovem inquieta, que precisa o tempo todo dar cotoveladas para poder expressar as suas vontades? Sim, as vontades… Mas que vontades? Ora, tudo aquilo que está diretamente ligado ao futuro da jovem adolescente, claro. E seu futuro é ir pra Nova Iorque, numa universidade lá qualquer, mas em Nova Iorque. Ponto. Lady Bird  dará quantas cotoveladas forem necessárias pra chegar à costa leste!

Aliás, temos Saoirse Ronan, indicada ao Oscar como melhor atriz, no papel da Lady bastante Bird! Perfeita!

Mas antes de Lady Bird conseguir o que quer, partir de Sacramento em direção ao futuro luminoso de Nova Iorque, a adolescente precisará lutar em várias frentes de batalha. Ela ainda não tem dezoito anos e há questões urgentes a serem resolvidas. Amizade, namoro, sexo, sua relação com a mãe dominadora… ufa, que batalha! Mas Catherine, nossa heroína, que se autodenomina Lady Bird, não fugirá à luta.

Tudo começa pela família. É dentro dela que nascem as coisas boas e as coisas não tão boas. É na família de Lady Bird que está o pai condescendente e amoroso, porém, fraco. É nela que vive o irmão chato que faz da namorada seu alter ego de chatice. E é nela, por toda parte, onipresente, feito um fantasma invisível, que reina a mãe. Ah, a mãe, a que controla, a que determina, a que faz valer os decorados e a que dita as malditas regras, obrigando a que nossa protagonista, a Lady, redobre esforços na tentativa de caminhar no mundo com as próprias pernas. Ela não quer viver nesse interior mesquinho, Sacramento. Ela sonha com o brilho de Nova Iorque, onde, ela sabe, poderá voar para além dos horizontes da mãe.

Agora vamos para algo mais interessante, sexo. Ah, este sim dá um certo trabalho, já que descobrir a sexualidade exige renúncias perigosas e um parceiro ideal de primeira viagem. E Lady Bird bem que tentou! A primeira noite quase que necessariamente seguida do primeiro engano. Não é um fracasso, é apenas uma desilusão. Foi bom, Lady? Bem… Não se preocupe, caro espectador. Nossa Lady Bird seguirá seu voo na direção para onde aponta a sua vontade. Perde-se uma batalha, não a guerra.

Amizade. Utilizada no filme como válvula de escape em somatizações sociais, tais como a alimentação excessiva, as risadas fáceis e nervosas, e os sonhos impossíveis de afeto verdadeiro. Esta é a amizade dos excluídos. É que a oferta não é tão abundante para uma menina com severas restrições às convenções sociais. Prefere, por isso, amizades marginalizadas, no papel de uma menina obesa e carente, com quem divide seu tempo e seu espaço.

E, por fim, a universidade. A vida profissional. O desenho do futuro. A luta para conseguir vaga numa delas, o caminho a ser aberto para que lá na frente a vida possa se encaixar nos trilhos da funcionalidade. Uma luta e tanto, diga-se. Mas o que a determinada Lady Bird não consegue? Tudo, menos uma coisa. O afeto da mãe.

Reside aqui, caro espectador, a crueldade do filme. Vamos sempre nos deparar com a ideia perfeita veiculando o amor perfeito. Se é mãe, ama, esta é a ideia perfeita. E esta máxima, sem dúvida, está quase perfeita, se ela não perpassasse pela condição de que amar a mãe é fazer as vontades da mãe. Sem esta condição, não tem afeto recíproco. Portanto, não há liberdade no afeto materno. Há prisão. Há condição. Assista, caro espectador, ao filme Lady Bird para ter a certeza de que sem afeto é possível seguir adiante. Pode ser mais pesado, mas nunca uma impossibilidade. Bem. É o que imaginamos, pois, da forma como o filme termina, a pergunta é inevitável. É possível viver sem o afeto materno?

 

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