Roberto Gerin

Resenha As Pontes de Madison, por Roberto Gerin

SOMOS AS ESCOLHAS QUE FAZEMOS

Em AS PONTES DE MADISON (135’), direção de Clint Eastwood, EUA (1995), vamos nos deparar com uma questão básica que nos aflige toda vez que iniciamos uma relação de afeto com alguém. Estamos mesmo fazendo a escolha certa? Será que ele/ela me ama? O pior é quando se trata de deixar o antigo amor para assumir um novo. Aí a dúvida nos consome de vez. Esta é a problemática que As Pontes de Madison nos coloca. Aliás, escancara — o risco da troca.

Fica-nos a impressão de que o amor que nos é oferecido por alguém que acabamos de conhecer sempre vai parecer instável, por mais que recebamos dele sucessivas provas desse amor. E nem se trata de saber se a pessoa nos ama. A questão é: até onde este amor resistirá? Na alegria, com certeza. Mas, e na tristeza?

As Pontes de Madison é uma história de amor que não se conclui.

O filme não resolve as questões colocadas acima. O filme As Pontes de Madison apenas tenta nos arrastar para a realidade. E, para tanto, traz outra questão. O encontro entre os dois amantes, Francesca e Robert, é rápido, portanto não é suficiente para servir de laboratório para o amor. E aqui falamos daquele amor que temos que renovar todos os dias, incansavelmente, anos a fio.

Paradoxalmente, o que vamos ver na tela é um amor inesquecível, mas vivido em apenas quatro dias, portanto passageiro. Opa! Se é inesquecível, não pode ser passageiro! Ademais, o amor entre Francesca e Robert sobreviveu até eles morrerem! Por mais de vinte anos! Mesmo que nunca mais tenham se visto! Este nos parece ser o sabor peculiar de As Pontes de Madison. E sua contradição. Para ser inesquecível, o amor, na falta da vivência do cotidiano, teve que acontecer na esfera da fantasia. Nessa perspectiva, podemos dizer que As Pontes de Madison é uma história de amor que não se concluiu. O amor simplesmente ficou ali, à espera dos amantes. Até que a morte os separasse.

Ao se casar, Francesca foi violentamente sugada pelo sistema matrimonial.

Robert Kincaid é um fotógrafo da National Geographic que vai para o interior dos Estados Unidos, Iwoa, com a missão de fotografar as pontes cobertas de Madison. Perdido, acaba chegando à fazenda dos Johnsons. E ele chega bem no dia em que o marido e os dois filhos tinham viajado, por quatro dias, para participar de uma feira de gado. O charmoso forasteiro (Clint Eastwood) estaciona o carro apenas para pedir a Francesca (Meryl Streep) informações sobre o paradeiro de uma determinada ponte. Naquela época, 1967, não existia Google Maps. Dar informações sobre estradas e encruzilhadas era um tanto complicado. Francesca resolveu o dilema de forma diferente. Calçou os sapatos e foi com Clint Eastwood, quer dizer, Robert Kincaid, procurar a tal ponte.

“Os velhos sonhos eram bons sonhos, não se realizaram, mas foi bom tê-los.”

Caímos no erro de muitas vezes acharmos que uma relação está se esgotando em função de os comportamentos do outro serem inadequados ou insuficientes. Isto é, o outro é responsabilizado pela nossa infelicidade e nossas insatisfações. Se atentarmos para o jogo de equilíbrio entre as forças dramáticas de As Pontes de Madison, vamos perceber que o marido de Francesca é um sujeito normal, pregado naquela fazenda herdada de sua família que sempre esteve ali, há mais de cem anos. Ele se mostra amoroso, dedicado, acredita que sua função patriarcal é prover a família, e isto ele faz muito bem. Se quiserem, podem conferir o relatório. Bebe? Não. Fuma? Não. Bate na mulher? Não. Deixa-a passar fome? Não. Então, o que falta? Eis o desafio. Como traduzir a infelicidade de Francesca? Aliás, de onde vem esta infelicidade?

O filme As Pontes de Madison quer falar de amor, não de casamento.

Ao se casar, Francesca perdeu o sentido de liberdade. Foi violentamente sugada pelo sistema matrimonial. Tirada de Bari, Itália, no auge dos seus sonhos, enfiou-se no interior americano, numa tal cidade de Madison. Fica claro o espanto dela quando Robert Kincaid, logo nos primeiros minutos em que se conheceram, sabendo que Francesca nascera em Bari, relata sua passagem por aquela cidade. Da janela do trem achou a cidade linda. Então, resolveu descer e por lá ficou vários dias. Francesca então pergunta. Você saltou do trem só por que achou a cidade bonita? Sim, responde Robert. É exatamente este o sentido de liberdade que Francesca carrega dentro de si, sem, no entanto, exercê-la.

Neste cenário, vamos ver que, com a chegada de Robert à fazenda, interrompe-se, para Francesca, a dura realidade. Francesca é uma mulher presa às cruéis rotinas de esposa e mãe, mulher que um dia teve sonhos que precisou engavetar. E na presença do forasteiro, parece que ela os tira momentaneamente da gaveta. Robert tenta consolá-la. Diz. “Os velhos sonhos eram bons sonhos, não se realizaram, mas foi bom tê-los.”. Caro Robert Kincaid, sonho não é só para ser sonhado. Tem que ser realizado. E quando é realizado, já não é mais sonho, é a realidade desejada! Entendeu?

O que interessa a Meryl Streep é como a personagem se comporta como mulher.

A partir do momento que Francesca fosse embora com o forasteiro, terminariam os sonhos dos quatro dias e começaria uma nova realidade. Francesca logo percebera que tudo poderia ser apenas uma troca. De realidades. Valeria a pena?

O filme As Pontes de Madison também não responde à pergunta acima. Mesmo que ela esteja diante de um homem sensível, que declama poesias, vê cores ao amanhecer, vê cores ao entardecer, homem divertido, espirituoso, cozinha e lava, adora blues… O que uma mulher casada, acorrentada às mediocridades sociais, vai fazer com um homem desses? Com certeza, terá que enfiá-lo dentro de uma realidade provavelmente tão dura quanto a atual. E dentro da dura realidade, ver cores ao amanhecer e ver cores ao entardecer não se encaixa no paradigma dos pequenos sofrimentos cotidianos. E mais. O que fazer com a realidade anterior? Afinal, terá que abandonar marido e filhos. Pobre Francesca!

Em As Pontes de Madison, o homem não nos apresenta, de forma convincente, o seu masculino.

Agora, antes de finalizar, vamos falar de Meryl Streep.

Mais do que apenas representar uma personagem, o mais importante é dar um sentido plenamente humano ao que se quer representar. Esse é o desafio dos grandes atores e das grandes atrizes. E Meryl Streep parece não fazer o menor esforço para tornar Francesca tão viva diante de nós. E não importa o destino traçado para Francesca. O que importa é sentir suas reações diante de fatos inesperados que a obrigaram a se movimentar internamente. E são estes movimentos que Meryl Streep nos oferece com sutil intensidade. O que interessa à atriz é como a personagem se comporta como mulher. É aqui que Meryl Streep nos dá uma aula de feminino.

Infelizmente, por outro lado, Clint Eastwood, o homem, fica a meio caminho. Não nos apresenta com clareza o masculino. Não nos convence. Fica-nos parecendo que o que ele tem a oferecer é apenas a casca, pintada de elegantes trejeitos. Mas, sem o miolo, o que fazer com a casca? Talvez seja por isso que Francesca — leia-se Meryl Streep — não embarcou na aventura proposta por Robert — leia-se Clint Eastwood. Por segurança, ela preferiu ficar na esfera das fantasias.

As Pontes de Madison fala do cotidiano pela voz amargurada de Francesca.

Em suma. O que nos parece ser um sonho pode, na verdade, ser uma oportunidade. E é das oportunidades que nascem as escolhas. E escolher é correr riscos. E correr riscos é enfiar os dois pés na jaca da realidade. Este é o preço a se pagar. Agora, podemos escolher permanecer no mundo dos sonhos. Mesmo que isto possa nos parecer um ato de covardia. Se lembrarmos que sonhar é nos convidar para iniciar uma nova jornada, podemos então dizer que permanecer no sonho é renunciarmos a dar o passo. E é disso que As Pontes de Madison quer falar pela voz amargurada de Francesca. Robert Kincaid não lhe deixou claro se valia ou não a pena mudar de escolha.

 

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