O Filme Da Minha Vida
NESTE FILME, SENTIR É O QUE IMPORTA
O FILME DA MINHA VIDA (113’), direção de Selton Mello, Brasil (2017), é mais um filme de Selton Mello. Não há nada de errado nisso. É grife estética. Quando Selton Mello põe a mão na massa para gestar seu próximo filme, já antevemos o que virá. Só não sabemos como. E neste terceiro filme do diretor, há surpresas agradáveis.
Não se trata de questionar o vigor narrativo do filme. O roteiro é fluidamente poético e humano, influenciado pela obra de Antônio Skarmeta, Um pai de Cinema, em que o filme se baseia. Mesmo que lentamente, a trama segue seu caminho, e o espectador vai descobrindo o que de fato se passa naquela cidadezinha do interior gaúcho, onde o protagonista se movimenta e leva com ele a história a ser contada. Sim, se ele não se movimentar, não haverá história! E esta é a grife Selton Mello. Existe sempre o protagonista que mais sente que pensa, mais contempla que age, há mais sensibilidade que brutalidade, e ficamos torcendo para que o jovem Tony (Johnny Massaro), paralisado pelo sumiço do pai, tenha “um troço” e coloque a máquina narrativa para girar numa velocidade mais intensa. Mas, ser apressado não é coisa para Selton Mello. Apressada, no filme, só a velha locomotiva que leva Tony de uma cidade a outra. Mas também… nem tanto.
Após ter chegado da cidade grande, onde fora completar seus estudos, Tony vê seu querido pai francês (Vincent Cassel) fazer as malas e voltar para a França, sem dar qualquer explicação para a esposa, e muito menos para o filho. Acabara-se o sonho da família feliz. O filho cai em profunda depressão, com saudades do pai, na espera do retorno do pai e, para aumentar o drama, põe-se a contemplar silenciosamente a dor da mãe (Ondina Clais), ela também vagando pela vida, em profundo abandono. O filme ganha corpo quando o rapaz resolve rodar a baiana. Decide terminar com o luto, desiste do pai e vai para a vida. E a graça, e solução, da narrativa está justamente na sua atração fatal pelo cinema, a ponto de pegar a locomotiva e ir à cidade vizinha assistir ao próximo filme. Ao fazer isto, sua história se fecha e se encaminha para a surpresa final. Que não é tão surpresa assim, visto ser a solução existencial, nessa relação de conflitos familiares, um pouco ambígua e um tanto tímida.
Mas quais as surpresas do filme? A bela fotografia. O espectador é brindado com o que há de mais sofisticado e sensível. Ainda mais que as locações se passam em pequena cidade do interior, onde o verde, o bucólico, o silêncio e a mata permitem deslumbrantes tomadas de cena e criações de atmosferas intimistas. A sonoplastia dá o toque emocional. Abandono e dor, esperança e graça. E a luz, envolvente. E a atuação dos atores condiz com a proposta do diretor. Ao mesmo tempo que reforça uma estética mais paralisante, ela é fundamental para gerar os movimentos interiores das personagens, de onde o filme tira a maior parte de seu vigor narrativo.
A graça do filme fica por conta do despertar da sexualidade do garoto que diz para todo mundo, a toda hora, que o sonho dele é conhecer a zona. Sim, o puteiro. Sim, sexo! E ao conhecer, pelas mãos do professor Tony, o garoto dá um salto de maturidade muito bem trabalhada na concepção da personagem. O mote que faz a narrativa girar é a busca pelo pai, mas meio que acaba sendo um pano de fundo incômodo, porque o que interessa é a vidinha das pessoas numa graciosa cidade, com sua arquitetura do início do século XX, ambientada nos anos 1960. Esta é outra característica da grife Selton Mello. O saudosismo, a busca por algo que ficou lá trás, incompleto.
E por fim, o próprio Selton Mello. Para ele sobrou a personagem Paco, dúbia, inexplorada, onde incorretamente Selton Mello desfila uma vaidade perigosa, deslocando sua personagem da realidade fictícia do filme, inclusive no figurino, essencialmente cosmopolita. Para quem cuida de porcos, é no mínimo inusitado. Mas, vá lá, é cinema. E, por favor, deixem Selton Mello curtir o seu filme, dentro do filme.
Se há pequenos deslizes, se há vácuos emocionais para impulsionar as motivações interiores das personagens, se há falta de arcos na criação das personagens, há, antes de tudo, uma bela festa preparada com esmero e carinho para saudar a sétima arte. Neste quesito, a elegância de Selton Mello salta aos olhos.
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