7 Prisioneiros
OS DESCONHECIDOS SUBMUNDOS DESTE TRISTE BRASIL
O filme nacional 7 PRISIONEIROS (96’), direção de Alexandre Moratto, mergulha fundo, sem medo, em um dos tantos submundos que compõem a desconhecida vida brasileira. Estamos falando da escravidão com aprisionamento. Portanto, uma escravidão sem sutilezas. Somando-se a esta triste realidade, o filme também nos apresenta o tráfico humano como um subproduto deste modelo de exploração de mão de obra gratuita. Fora do alcance dos nossos olhos distraídos, distante dos interesses da imprensa e passando pelo ineficiente controle do Estado, parece-nos impossível acreditar no que o filme nos mostra. Não é ficção. 7 Prisioneiros, eis seu mérito, é uma cópia da realidade. Daí seu jeitão de filme de denúncia.
Em 7 Prisioneiros, chama a atenção a química entre os personagens Mateus e seu algoz, Luca.
As vítimas são quatro jovens de uma pequena cidade do interior que vão para São Paulo com o sonho de dar uma vida melhor para suas famílias. Com emprego garantido em um ferro-velho, logo ao chegarem ao destino percebem que acabam de cair em uma armadilha. O líder natural da turma, Mateus, logo se revolta com a situação. Em vão. A repressão é brutal. E após várias tentativas de fuga, percebem que estão presos a uma rede de corrupção, onde se inclui também quem deveria protegê-los — a polícia.
Apesar de o trabalho ser realizado a céu aberto, o ferro-velho é mostrado como um cenário asfixiante. O diretor consegue, pela repetição dos movimentos e dos objetos — latarias retorcidas, fios de cobre desencapados, enfim, todas as possibilidades de ferragens descartáveis —, transmitir a sensação de aprisionamento, tão ou mais que o próprio dormitório dos rapazes, lacrado por grade, como se fosse mesmo uma prisão.
Esta é a feliz crueldade do roteiro de 7 Prisioneiros. Mostrar que, em nome da ambição, podemos nos apodrecer.
Outro detalhe de 7 Prisioneiros que chama a atenção é a química entre os personagens Mateus e seu algoz, Luca. E esta química se estende para os atores Christian Malheiros, o Mateus, e Rodrigo Santoro, o Luca. Em determinado momento, passamos a não saber quem é vítima de quem. Ambos fazem parte de uma engrenagem muito maior, à qual pertencem e da qual não conseguem sair. Acossados pela falta de perspectiva e seduzidos pelas facilidades financeiras alcançadas, são eles que alimentam o sistema na sua parte mais cruel, que é justamente operacionalizar a escravidão.
E para finalizar, vamos acompanhando, consternados, a construção do personagem Mateus, que sai da sua condição de prisioneiro para fazer parte na hierarquia do poder que perpetua o modelo de escravidão do qual ele é vítima. Esta é a feliz crueldade do roteiro. Mostrar que, em nome da ambição, podemos nos apodrecer. Em intensos conflitos, alimentando a esperança de reverter a situação para si e seus colegas, Mateus é lentamente cooptado pelo sistema corrupto. As armações psicológicas e sociais arquitetadas para transformar Mateus, um rapaz honesto do interior, em bandido da cidade grande são, sem dúvida, o ponto alto e primal de 7 Prisioneiros.
Em suma. 7 Prisioneiros é filme excelente, que surpreende pela direção, atuações, roteiro enxuto e articulado, elevando mais uma vez o cinema brasileiro a um patamar de honra artística. É um filme, sem dúvida, destinado a ganhar prêmios. Primeiro, pela coragem da sua proposta, fazendo cumprir o papel da arte como reveladora de realidades que negamos enxergar. E, segundo, porque, por ser tão bem-feito, choca.
Conheça O Voo da Pipa, uma obra de Roberto Gerin.