Casablanca
O AMOR EM TEMPOS DE GUERRA
O clássico CASABLANCA (102’), direção de Michael Curtiz, EUA (1942), é considerado um dos filmes mais romântico já realizado. O filme coloca o casal Ilsa e Rick, interpretados pela atriz sueca Ingrid Bergman e pelo ator norte-americano Humphrey Bogart, no altar dos sonhos de todo amante cujo íntimo desejo é experimentar uma verdadeira história de amor, mesmo que esta história tenha um fim. Mas vamos já avisando. O amor em Casablanca não é aquele amor arrebatador. Aquele amor beirando o impossível, a que estamos acostumados a assistir em filmes em que os apaixonados, para viverem sua paixão, são capazes de mover montanhas. Em Casablanca, o máximo que se move é uma taça de champanhe, ao som da espetacular canção As Time Goes By.
Esta falta de arroubos passionais ocorre porque há outras questões urgentes a serem consideradas. O amor em Casablanca se aproxima do amor perigoso, em que cada frase e cada gesto são colocados numa balança para posterior avaliação, e, neste caso, a balança é a devastadora ferocidade da Segunda Guerra Mundial, que tem em Casablanca uma pequena amostra do que uma guerra insana pode produzir. Desespero, solidão, injustiça, bandidagem, corrupção e, de quebra, o reencontro de um amor antigo, saído da outrora Paris banhada de luz e sonhos. O que se vê agora, na romântica Casablanca, é este amor, feito de lembranças e saudades, submetido a novos tempos, e que dificilmente poderá ser revivido.
O filme é ambientado na capital marroquina Casablanca, a esta época sob o domínio do governo provisório francês de Vichy, aliado, certo, da Alemanha. Portanto, por ser Casablanca um território francês, era para onde os parisienses fugiam, em longa rota, na esperança de conseguir um visto para embarcarem num avião rumo à Lisboa, de onde partiriam, em navios, para os Estados Unidos. É em torno desta ânsia de fuga que gira a construção do roteiro.
Rick, um norte-americano metido em confusões mundo afora, acaba também ele em Casablanca, onde monta seu famoso café, frequentado por oficiais alemães, por refugiados à procura de vistos de saída, e até por bandidos e larápios, subprodutos sociais da guerra. E é neste bar, o Rick’s Café, que entra, à procura também de vistos para comprar, o casal Ilsa e Viktor Laszlo (Paul Henreid). Ela acaba entrando onde? No café do seu antigo amor parisiense! É a partir daqui que o filme ganha nuances românticas, e muita nostalgia.
A narrativa se desenvolve como se fosse um jogo de xadrez. Cada pedra que se movimenta gera uma ansiedade, em doses cada vez mais fortes, num quebra cabeça alucinante, em que cada gesto é pensado, sem que se desperdice um olhar, um sorriso, um aperto de mão, nada é secundário, ali tudo tem que ser rápido, tenso, o tempo urge, o próximo avião vai partir, e para que se consiga embarcar é preciso movimentar a máquina da corrupção, única senha para a fuga.
E assim nós chegamos ao que interessa no filme, a relação de amor entre Ilsa Lund – Ingrid Bergman no auge da sua beleza – e Rick Blaine – Humprhey Bogart finalmente alçado à categoria de galã de Hollywood.
Apesar de ser quase unanimidade como o par romântico do cinema, há que se fazer algumas considerações. O peso histórico do filme é asfixiante, mesmo porque o filme foi rodado em 1942, no auge da guerra, quando o domínio alemão era para lá de assustador. E este peso recai sobre Viktor Laszlo, recém-chegado à Casablanca, símbolo da resistência, portanto, um personagem de imensurável importância ideológica.
Viktor Laszlo é casado com Ilsa. Enquanto Viktor passa um ano no campo de concentração, Ilsa Laszlo conhece e se apaixona pelo irresistível Rick Blaine, numa Paris ainda livre e glamourosa. Mas Paris logo cai nas mãos dos alemães e o par romântico é obrigado a se desfazer. Por causa dos bombardeios? Porque neste exato momento, Viktor foge do campo de concentração para se reencontrar com a esposa. Pronto. Está formado o quiproquó romântico, um novelo terrível que o filme vai ter que desenrolar. E o filme, feito às pressas, sob a pressão política do momento, teve, sim, uma certa dificuldade em desenrolar este novelo. E é disto que vamos falar rapidamente.
O flashback é um dos recursos mais utilizados no cinema e seu efeito pode enriquecer, esclarecer, acentuar, enfim, é de utilidade funcional na estrutura narrativa de um filme. No caso de Casablanca, serve como memória afetiva, quando o objetivo é mostrar e justificar os momentos românticos vividos pelo casal, em Paris. No entanto, observamos que os flashbacks são muito contidos e formais. Talvez falte aquilo que é essencial no amor romântico, a loucura.
Umberto Eco, escritor e filósofo italiano, reclamou da falta de verdade das personagens. Talvez Umberto Eco sentisse falta dos impulsos verdadeiramente românticos, ausentes em Paris, e agora necessários para fazer de Casablanca a continuidade da paixão iniciada na cidade luz. Mas Casablanca vivia sob o terror do medo, então não cabia, apesar das magníficas atuações de Humphrey e Ingrid, se dedicar a reconstruir esta paixão. O casal Ilsa e Viktor precisa fugir, e dependem da vontade de Rick, que detém, escondidos no piano, os salvos condutos milagrosos. E aí, roteiristas (são quatro) e diretor? Como resolver a questão? Quem vai ficar com quem?
Diz-se que o diretor Michael Curtiz, na tentativa de resolver o problema, pediu a Ingrid Bergman (Ilsa) que tivesse uma atitude amorosa ambígua em relação aos dois pretendentes. E entendemos, dadas as dificuldades, ter sido uma solução, se não criativa, bastante operacional do ponto de vista de resolver a verossimilhança da narrativa. Sem os arroubos, não caberia a Rick a doce felicidade de fugir com sua episódica amada. A ideologia, neste caso, falou mais alto, mantendo, assim, a coerência da trama.
O filme foi sucesso absoluto e ainda é. Inigualável. Era para estrear em meados de 1943, mas quando as tropas aliadas invadem e retomam Casablanca, em 8 de novembro de 1942, Hollywood, leia-se Warner Brothers, apressa a estreia, que ocorreria em 7 de dezembro de 1942, portanto, um mês após a libertação de Casablanca. A guerra foi o terreno fértil para construir esse magnífico filme, mas, pode-se também afirmar, talvez com uma certa margem de erro, que a guerra foi o limite de Casablanca, muito diferente de E o Vento Levou, em que a Guerra Civil Americana levou ao extremo os afazeres românticos entre Scarlet O’Hara e Rhett Butler. São dois pesos e duas medidas, o que torna péssima a comparação, pelo que pedimos desculpas. Mas, na imaginação sem limites do espectador, o que fica é a ideia de que o amor em tempos difíceis pode ser mais saboroso, e mais excitante, mesmo que passageiro. Em suma, aprendemos que o amor precisa de algo mais que a simples fantasia. Ele precisa da verdade. Mesmo sendo ficção.
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