Roberto Gerin

Resenha O Mordomo na Casa Branca Roberto Gerin

UM NEGRO NA CASA BRANCA

O MORDOMO DA CASA BRANCA (135’), direção de Lee Daniels, EUA (2013), é mais um dos tantos filmes que apontam suas câmeras para a luta pela igualdade de direitos dos negros, nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX. E aí implica não só eles poderem ocupar os mesmos lugares nos ônibus e ganharem os mesmos salários que os brancos, como também não precisar serem mortos impunemente quando olharem para uma mulher branca passando na rua. Essa trajetória de lutas é narrada de um ponto de vista peculiar, quando passamos a conhecer a história pessoal de um negro, desde o massacre da sua família, no sul dos Estados Unidos, até chegar à Washington, onde se torna mordomo da Casa Branca e lá serve – inclusive lustrando os sapatos – a vários presidentes, desde Dwight Eisenhower, passando por Kennedy e Nixon, até Ronald Reagan. Neste longo percurso de vida, ele acompanha a tumultuada história americana das décadas de sessenta e setenta, com ênfase na questão das lutas pela igualdade de direitos entre brancos e negros. O personagem real é negro, então é esta a história que interessa contar, a história dos negros, e esta é, sabiamente, a proposta do filme.

Talvez o grande achado tenha sido conduzir a narrativa por dentro do núcleo familiar dos Gaines, cujos conflitos faziam reverberar, de forma microscópica, o que estava acontecendo nos Estados Unidos. E o que estava acontecendo, óbvio, ecoava nas paredes dos salões da Casa Branca, onde Cecil Gaines (Forest Whitaker, de presença imponente) transitava e a tudo ouvia e presenciava. Este é Cecil, um negro trabalhando na Casa Branca, assumindo atitudes de branco, que se esforçava para ser invisível, que tinha um filho engajado nas lutas de rua pelos direitos dos negros, por quem era confrontado pelas suas atitudes passivas em relação à causa negra e que, no final, acaba se dobrando à realidade das ruas. Não havia outra saída para a sociedade americana branca senão aceitar que seus filhos dividissem salas de aulas e bancos de ônibus com os filhos negros.

Uma das cenas mais contundentes se passa com a discussão entre pai e filho à respeito do famoso ator Sidney Poitier, o primeiro ator negro a ganhar um Oscar. O pai não aceitou as críticas do filho, tomando para si as dores de Sidney Poitier, a ponto de expulsar o filho de casa por não gostar do ator. Sabemos que Sidney Poitier não foi um ativista, como queria o filho de Cecil, mas junto com outros artistas negros, como Harry Belafonte e Nina Simone, usou seu prestígio para angariar dinheiro para a causa negra.

É mais um drama histórico baseado na vida real, mas a direção firme de Lee Daniels consegue nos trazer inteiros para a ficção, poupando-nos daquele vezo autobiográfico que muita das vezes acaba se sobrepondo ao ficcional, deixando a sensação de que estamos assistindo a um documentário. E vale ressaltar a atuação surpreendente da atriz “improvisada” Oprah Winfrey, no papel de Glória, esposa de Cecil. Ela consegue expressar a dor da ausência do marido que passa a maior parte do tempo fazendo horas extras na Casa Branca, e ao mesmo tempo se mantém íntegra, sabendo que aquela situação seria passageira e que um dia o marido retornaria para casa, assim que terminasse o horário de expediente.

A título de conclusão, para quem gosta do tema, sempre intrigante, indicamos o documentário que concorreu ao Oscar 2017, Eu Não Sou Seu Negro, baseado em um livro inacabado do escritor James Baldwin, Remember This House, e que retrata, com um olhar muito próximo dos fatos históricos, a trajetória de três dos maiores ícones na luta pela igualdade dos negros, Medgar Evers, Malcom X e Martin Luther King. O documentário é narrado por Samuel L. Jackson. Quanto a Gaines, mesmo que passivamente, ele contribuiu para redimensionar o negro na sociedade americana, uma sociedade cujas dificuldades de se desfazer de seus preconceitos raciais é visível e preocupante, e é por isso que, sabemos, a luta pela igualdade racial não tem hora para acabar.

 

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