Roberto Gerin

Resenha O Segredo de Brokeback Mountain Roberto Gerin

AMOR, SUBLIME AMOR!

O premiadíssimo filme O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN (135’), direção de Ang Lee, EUA (2005), aborda um dilema universal que ocupa boa parte de nossa existência. Estamos falando do amor, essa eterna fonte de vida. E, não raras vezes, de sofrimento. Mas afinal, o que é o amor? Parece uma pergunta óbvia, não parece? Mas não é. O amor soa como um conceito tão próximo de nós e no entanto acaba sendo nossa principal fonte de dúvidas e incertezas. Qualquer resposta que venhamos a dar sobre o amor soará muito pessoal, posto que o amor é acima de tudo uma experiência. Que estará sempre colada à nossa história. De um jeito único, só nosso, intransferível. É justamente este amor que o maravilhoso filme O Segredo de Brokeback Mountain nos revela. Amor feito de histórias únicas, cuja trajetória é um mosaico de êxtases e sofrimentos, alegrias e decepções. Só os protagonistas Ennis Del Mar e Jack Twist, e ninguém mais, poderão fazer parte da história de amor que acontece entre eles, lá em cima, na montanha Brokeback. Só eles poderão dizer alguma coisa a respeito. E eles dizem. Muito. Independentemente de cor, raça, orientação sexual, geografia e origem, amar é uma experiência que está acima de qualquer julgamento. Olhando O Segredo de Brokeback Mountain de forma apressada, corre-se o risco de rotulá-lo como filme de cowboys, ou de cowboys gays, ou simplesmente um filme gay. Fuja imediatamente destes rótulos. O filme de Ang Lee é tão somente um filme sobre o amor.

Dois rapazes conseguem emprego de vaqueiro para cuidarem, naquele verão, de um rebanho de ovelhas conduzidas montanha acima, um lugar de difícil acesso, distante de tudo e de todos. Brokeback, eis o nome da montanha. Estes dois rapazes são, por enquanto, solteiros, cowboys, gostam de rodeios, curtem estar no campo, trazem histórias pessoais diferentes, estão ali para proteger as ovelhas dos ataques de animais selvagens e, mais do que isso, para vigiar a presença do Estado, já que a ocupação daquelas pastagens é irregular. O ambiente bucólico, a solidão total, o ar selvagem, eis o terreno fértil onde algo extraordinário está para acontecer.

Precisaremos esperar meia hora de filme para que o amor surja diante de nós, numa cena memorável, e precisamente realista. Os movimentos em direção ao outro são sutis, sustentados por meias palavras e por olhares que não se cruzam, mas que estão ali, fulminados pelo desejo. E quando tudo então se desencadeia, na oferta total de sexo, sentimentos e emoções, abre-se um outro mundo para estes dois rapazes, cujos desdobramentos irão repercutir nos próximos vinte anos de suas vidas. É quando o próprio Ennis, assustado com o que está acontecendo, declara. “Aonde o amor vai nos levar?” Ah, se soubéssemos, Ennis!

Mas a vida continua. Os dois se casam, os dois têm filhos, os dois têm que lidar com a dura rotina de casamentos infelizes, os dois se encontram de longe em longe, os dois se juram amor, e aos poucos o espectador vai percebendo que a história toma um rumo de dores e desencontros, onde cada um, à sua maneira, vai sendo massacrado pela incapacidade de lutar contra o que tanto os oprime. Não basta ter que lutar contra o casamento indesejado, é preciso reunir coragem para sair dele e entrar em outra relação, verdadeira e desejada, mas assustadora, posto se tratar de um amor entre dois homens. O amor continua intacto, mas tudo o que está em volta dele vai aos poucos se despedaçando.

O amor é sempre projetado a partir do que somos, certo? As diferenças de personalidade e a forma como cada parceiro lida com a realidade são matérias-primas na construção de uma relação. Esta dinâmica comum entre amantes é retratada no filme de forma sutil, às vezes rude, criando um contraponto gerador de sonhos e desesperos. Ennis (Heath Ledger) pouco fala, mastiga as palavras e esconde os gestos. Uma estátua bruta em estado de eclosão vulcânica. Chuta o balde com facilidade, mas não consegue assumir sua realidade. Jack (Jake Gyllenhaal) é diferente, o oposto quase. Sentimentos e emoções afloram do olhar, sua vontade se impõe nos gestos, seu desejo é assumido sem ressalvas, apesar dos medos. Bem que ele, Jack, luta incansavelmente para dar um rumo seguro à relação dos dois. Mas, à medida que o tempo passa, ele vai perdendo as forças, até se esvair, quando já será tarde para que Ennis tome de fato uma atitude. A cidade os oprimiu. Os compromissos familiares os aniquilaram. Sonhavam com a chegada do próximo verão, para poderem se refugiar lá em cima na montanha. Já que se amavam, tinham que fazer valer o amor. Ora, se o amor está em nós, é só deixá-lo fluir! Não é bem assim, tão simples. O um sem o outro não forma dois. E aqui reside a força trágica do filme.

É a partir desta atmosfera que a narrativa sustenta seu fôlego dramático e nos presenteia com tanta beleza humana e sensibilidade poética. E a identificação com as narrativas de amores trágicos se faz logo presente, amores traduzidos, ao longo dos séculos, em belas obras de arte, desde um Romeu e Julieta, de William Shakespeare, passando pelas grandes obras românticas, óperas e teatros, até chegarem, em pleno século XX, quase todas elas, às telas dos cinemas. Havia dúvidas se O Segredo de Brokeback Mountain podia ser colocado nesta mesma categoria. No entanto, a dúvida se desfaz ao se chegar ao desfecho, numa das cenas mais humanas de que se tem notícia no cinema. A cena final, em que o amor entre Ennis e Jack é ratificado pelos pais de Jack, portanto, colocado no seu devido lugar, transcendendo preconceitos, alçando o amor a uma altitude divina. Este é o olhar que os pais de Jack oferecem ao espectador. Sim, o amor é um produto espiritual, porque ele só pode se realizar através de um desejo, que não é obra calculada, mas feita do mais puro impulso humano, que é o de sempre querermos existir no olhar do outro. Ao colocar o amor como o protagonista da narrativa, Ang Lee coloca seu filme bem acima dos pequenos e miseráveis rótulos.

 

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