Okja
O PORCO QUE HABITA O SONHO DE UMA MENINA
OKJA (121’), direção do sul-coreano Bong Joon-ho, Coréia do Sul/EUA (2017), retrata a relação afetivo-tumultuada entre um porco e uma menina. Mais uma vez vemos o cinema explorar uma fórmula que sempre dá certo, a relação de um animal com um ser humano, terreno fértil para se falar de afeto, de lealdade, de cumplicidade e de esperanças.
A relação entre o porco Okja e a menina sul-coreana Mija é tumultuada apenas para que o filme aconteça. O sonho idealizado pela pequena Mija (Seo-Hyun Ahn) é que vivessem, ela e seu porco, nas montanhas da Coréia, felizes para sempre. Mas como na vida nem tudo é doce, e o amargo tem que entrar na trama, ela se vê às voltas com uma luta renhida contra a tão conhecida ganância do capitalismo. Querem matar o porco para vender salsichinhas.
A primeira meia hora do filme é de pura ternura. Mija, seu super porco e as bucólicas montanhas da Coréia do Sul. O restante do filme é de pura perseguição e sequências de cenas alucinantes, algumas delas um pouco artificiais, sempre com o objetivo de trazer o porco de volta para as montanhas. É o que interessa à menina. E é o que passa a interessar ao espectador, a esta altura já apaixonado pelo super porco. Sim, estamos falando de um porco que provavelmente mal caberia na sala da sua casa. É o tipo de filme que sabemos qual será o final. Mas precisamos fazer a pergunta a cada lance: será que Mija vai conseguir?
Não caberia aqui falar dos milhões, talvez na casa do bilhão, de famintos mundo afora. A indústria quer fornecer comida para todo mundo, não por uma atitude samaritana, óbvio, apenas para ganhar mais dinheiro. E o filme mostra o impasse da fome, quando a população mundial vai crescendo e é preciso arranjar comida para alimentar essa gente toda. Os super porcos seriam a solução, diz a indústria, representada pelos excelentes Doutor Johnny (Jake Gyllenbhaal) e Lucy Mirando (Tilda Swinton). Mas esta discussão não é o que importa no filme. Esqueçamos os abatedouros de animais. Eles nos deixam tristes. Nos colocam de frente com a realidade. Em vez, vamos falar de afeto, de lealdade, de vida longe dos problemas cotidianos. Vamos, afinal, nos emocionar. É pra isso que existe cinema. Também.
O afeto, como mostrado no filme Okja, entre tantos filmes onde os animais são protagonistas, pressupõe vontades, sensibilidades, charmes, tristezas e, acima de tudo, inteligência. Se colocarmos juntos um bebê humano e um bebê bicho, veremos que poucas diferenças há. Mas depois de um certo tempo, a partir mais ou menos dos dois anos, o bebê humano passa a ter uma coisa que o bebê bicho não tem. A autoconsciência. A partir daí, o animal fica para trás e o fosso se estabelece. Mas o que o cinema faz? E aqui está o golpe baixo. Tenta eliminar ao máximo este fosso. Produz o bichano com olhinhos inteligentes e afetuosos, tão vivos, que olhamos pra ele e dizemos: só falta falar! Chegamos a acreditar que o animal também tem autoconsciência, e a barreira é apenas a linguagem. E é por isso que, magnificamente, o porco Okja atende à cultura sul-coreana quando ele vira de costas enquanto Mija e seu avô comem. Ora, caro espectador, quem tem consciência de que faz parte de uma cultura indivíduo é! Bem vindo, Okja, ao reino animal!
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