Orgulho e Preconceito
PRIMEIRO O AMOR, DEPOIS O CASAMENTO
Há filmes que vão direto ao assunto. E esta atitude, lógico, não os faz filmes menores. Apenas têm o mérito de colocar o espectador rapidamente dentro da narrativa. Assim é o saboroso e ao mesmo tempo instigante filme ORGULHO E PRECONCEITO (127’), direção de Joe Wright, França/Reino Unido/EUA (2006), ambientado no século XVIII, precisamente em 1797, com roteiro baseado no livro homônimo da genial escritora inglesa Jane Austen. É o amor tentando se equilibrar nas cordas rigidamente esticadas das convenções sociais da época. E as convenções são claras. O amor está subordinado ao casamento. Primeiro o patrimônio, depois o afeto. Portanto, na ânsia de se casar, o amor é colocado em segundo plano. Esta máxima, aliás, pode servir para outras épocas, afinal, épocas podem ser diferentes, mas as demandas do casamento parecem não ter-se alterado tanto. E se há alguma alteração, e o filme nos mostra que há, ela estará reservada aos protagonistas. E é o que determina o roteiro de Orgulho e Preconceito. O casal Elizabeth e Darcy, os protagonistas, primeiro vão se amar. Se admirar. Sonhar um com o outro. Terão que atravessar rusgas e desencontros, orgulhos e preconceitos. Depois, lá na frente, pensarão em casamento.
O filme retrata as ansiedades da Sra. Bennet (Brenda Blethyn) em conseguir cinco casamentos para suas cinco filhas. Tarefa para lá de difícil, e ela sabia disso. Afinal, casamento servia para garantir o futuro. Portanto, tinha que ser bem arranjado.
Temos aí pretextos para muita comédia e algumas frustrações. A comédia é o pano de fundo para mostrar situações inusitadas, às vezes ridículas, das jovens casadoiras que se sujeitam a tudo para receber o olhar e, quem sabe, uma atenção especial de algum pretendente que as leve rapidamente para o altar. Como se pode ver, as irmãs Bennet seguiram à risca o propósito da mãe. Menos uma. Elizabeth.
Elizabeth é tão orgulhosa quanto seu futuro príncipe, e tão ciente dos preconceitos de classe quanto, também, seu futuro príncipe. Elizabeth (a maravilhosa Keira Knightley) se recusava, silenciosamente, a se sujeitar a ser uma simples escolhida. Ela queria algo mais do que apenas receber uma aliança no dedo anelar esquerdo. Tanto que, ao aparecer pela primeira vez, no início do filme, traz consigo um livro. Pois é! Mulher lendo no século XVIII. Enfim, para Elizabeth Bennet podia até ser um príncipe que viesse a cortejá-la, mas sem essa conversa de que a única coisa importante na vida de uma mulher é se casar.
Ainda bem que há uma Elizabeth no filme. Não que as lutas renhidas das outras quatro irmãs para conquistar um marido não sejam também dignas de torcida. E de compaixão. Uma se casa com um falastrão, aquele que se especializa em dar golpes no coração feminino para atingir o bolso da herdeira. A outra, Jane Bennet (Rosamund Pike), é o modelo da bela e recatada (e pobre) que se casa, ufa!, finalmente, com o belo e recatado (e rico) senhor Bingley (o maravilhoso Simon Woods). Depois que todo mundo consegue se arranjar, ou não se arranjar, agora é a vez do par principal, a união da senhorita Elizabeth Bennet com o senhor (feudal) “Mister” Darcy, representado pelo belo-ator-escolhido-a-dedo, Matthew Macfadyen. Se não fosse Matthew, quem poderia, magistralmente, também, representar o enigmático e charmoso Mister Darcy seria Robert Redford. Ou indo mais longe no tempo, Clark Gable. Para ficar em apenas duas sugestões. Como podem ver, estamos falando da nata da beleza e do charme do cinema de ontem e de hoje. E falamos neste tom para ressaltar a importância de uma mulher de personalidade que só se encaixa numa relação onde a mentira, o orgulho e o preconceito (e demais hipocrisias) não têm vez. E isto, com extrema sinceridade, Elizabeth deixa claro desde o início do filme, nos cooptando e nos deliciando. E nos avisando. Cuidado! Se atrás do amor vem a necessidade do casamento, abram o olho. Provavelmente não é amor, é apenas arranjo. Que mulher essa Elizabeth, hein, Jane Austen!?
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