Roberto Gerin

Sociedade dos Poetas Mortos

CARPE DIEM! APROVEITE A VIDA!

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (140’), direção de Peter Weiss, EUA (1989), é um daqueles filmes que nos faz acreditar que a vida vale a pena, e muito, ser vivida. E esta crença se deve, primeiro, ao próprio filme, que esbanja qualidades e otimismo. Roteiro excelente, preciso nos diálogos, consistente na estrutura, por isso é tão premiado. E para coroar, a atuação memorável de Robin Williams no papel do professor John Keating. A trilha sonora é pontual, criativa, onde coube, inclusive, numa perfeita sintonia com a cena, a Nona Sinfonia de Beethoven. O ritmo e a fotografia, auxiliados pela trilha sonora, criam atmosferas que vão do encanto ao desencanto, da euforia à tensão, numa voltagem calibrada por mãos que sabem como encaminhar uma narrativa para o seu desfecho. Por fim, a poesia — o ponto alto —, que exala de todos os pixels! E a segunda razão que leva o filme a nos fazer acreditar na vida é o seu final. Exatamente a última cena. Há filmes em que o desfecho é a síntese perfeita daquilo que se disse, em entrelinhas, durante duas ou mais horas de projeção. Citaríamos muitos deles, mas ficaremos apenas com O Segredo de Brokeback Mountain. O final de Brokeback é de uma ganância existencial sem precedente. Um soco na alma! Na linhagem de Sociedade dos Poetas Mortos. Ao baixar as cortinas, o filme de Peter Weiss consegue nos dizer uma coisa. Se aceitarmos a vida como ela nos foi dada, sem questionar, sem ousar, sem encontrar a nossa própria voz, de nada valerá tê-la vivido. Sociedade dos Poetas Mortos é daqueles filmes para se guardar lá no cantinho da memória, intacto.

Por estar ambientado em um colégio de meninos, Sociedade dos Poetas Mortos pode nos dar a impressão de ser mais um daqueles filmes colegiais, com dramas existenciais de adolescentes assustados com a aproximação da vida adulta. Negativo. O filme vai muito além das quatro paredes da escola. Ao mostrar jovens em busca de novas sensações e sentidos, ansiosos por conquistar a primeira garota, o primeiro sexo, a primeira universidade, ao mostrar a angústia de cada um deles em atender às expectativas dos pais, o filme nos remete àquilo que temos de mais essencial, que é, não a possibilidade, mas o direito de exercermos nossa liberdade. Mas os pais, símbolo maior da tradição tão defendida pelo colégio Welton, não querem abrir mão do direito de serem eles a ditar o futuro de seus filhos. Aqui, neste ponto, fabula-se o conflito entre sujeito e coletividade. Entre ousadia e renúncia. Entre embate e submissão.

Portanto, quando colocamos em discussão a secular Academia Welton, uma fictícia escola norte-americana, com sua rígida tradição, e os pais dos alunos como representantes divinos da ordem e dos bons costumes, estamos tirando o filme de dentro do colégio e elevando-o para outra dimensão, lá onde a vida é o único bem que possuímos. É isto que o filme, através do professor de literatura poética, o libertário John Keating, insiste o tempo todo em nos dizer. Keating, representado pelo saboroso Robin Williams, é daqueles que chutam a bunda da tradição. Por convicção. Por acreditar na vida não como passagem, mas como oportunidade única e intransferível. A vida, porque finita, tem sua urgência! Aqui se vive, aqui se morre! John Keating se apresenta a nós como a cereja do delicioso bolo da vida. Mas aí vem a tradição. Espreme a cereja e joga o bolo na lata de lixo.

O professor de literatura, especializado em poesia, ex-aluno ele próprio do tradicionalíssimo colégio, a Academia Welton, John Keating é convidado para retornar à instituição, agora para fazer parte do corpo docente. Keating se mostra, desde a primeira aula, ser um professor nada convencional. Esta atitude irreverente diante dos métodos de ensino tradicionais vai provocar uma guinada na rotina do colégio, favorecendo em muito a evolução do roteiro e, por tabela, do filme. Ao girar em torno de Keating e de suas ideias, o filme se encaminha de forma inevitável, e honesta, para o confronto final, entre se submeter ou transgredir.

Já na primeira aula, Keating vai direto ao ponto, mostrando-nos qual será a base filosófica do filme. Ele traz o conceito latino de carpe diem. E o faz de uma forma inusitada. Coloca os alunos diante das fotografias de antigas turmas do colégio — evidente, todos mortos —, pede que os observem com atenção, até perceberem que são todos iguais a eles, mesmo que cem anos os separem. Nada mudou, e a morte ronda a todos. E Keating diz. Se vocês, como estes aí, vão se transformar em fertilizante, então qual é o problema para viver a vida? A finitude é o salvo-conduto para exercermos o direito de lutar pelo que somos e queremos. Aproveitem o dia! Deem um sentido pessoal à vida!

Vale mencionar um detalhe interessante nesta cruzada de Keating de querer libertar seus alunos do convencional. Podem me chamar de professor Keating, diz ele. Mas, se quiserem ousar, chamem-me de “Oh, Capitão! Meu capitão!”. Tirado de um dos famosos poemas de Walt Whitman, com esta quebra de protocolo, Keating abre uma pequena porta para o livre pensamento.

E os resultados vieram. Foi a partir da poesia — portanto, da arte — que Keating levou seus alunos a aprenderem a tomar uma postura crítica em relação à realidade na qual estão inseridos, em que o sujeito passa a ter uma importância prevalente sobre o coletivo, sem, óbvio, precisar destruir este. Assim, os jovens vão descobrindo suas próprias individualidades, seu próprio sentir, o que dá o charme existencial ao filme. E abre caminho para a eclosão da tragédia. Infelizmente, o peso da tradição é esmagador. O equilíbrio tem que ser restabelecido. A morte pode, sim, ser um ato de insubmissão, desde que olhada pelo seu lado justo, e esta é a dor do filme. Deslocam o polo de responsabilidades, evidente, na busca do bode expiatório, leia-se, aquele que vem perturbar, que vem abrir caminhos nunca antes explorados. E este é o ponto de fecho do filme. Que é quando vai desembocar na última cena, instante em que se pretende resgatar a justiça, mesmo que seja por um instante, feito uma débil luz acesa como sinal de que a vida continua a valer a pena ser vivida. E, ao resgatar, na cena final, as ideias de John Keating, o filme dá um passo adiante. Oferece-nos a certeza de que não podemos ficar parados no tempo. O carpe diem tem que continuar. Pois é ele que vai dar sentido ao nosso viver.

 

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