Taxi Driver
UMA SOLIDÃO PERIGOSA
O filme TAXI DRIVER (95’), direção de Martin Scorcese, EUA (1976), apresenta-se como uma obra cinematográfica perturbadora. Um angustiante tratado sobre a solidão. É o homem que escolhe ser motorista de táxi para suportar suas longas noites de insônia. Ao percorrer as ruas de Nova Iorque madrugada adentro, por meio da observação do outro, ele vai entrando em contato consigo mesmo. E se depara com a falta de significados existenciais que o coloquem no eixo normal da vida. A ideia de não existir em lugar nenhum faz dele um ser humano errante. Transforma-o em presa fácil, pronta para ser tragada pela fogueira da violência. A busca inútil por um objetivo de vida — esta é a razão que coloca Travis, o protagonista de Taxi Driver, em constante movimento.
O protagonista de Taxi Driver busca na violência uma razão imediata para tornar a vida menos entediante.
A trama é uma sequência episódica do cotidiano de um ser humano solitário. Travis encontra no trabalho noturno uma forma de se manter vivo. Já que fica o tempo todo acordado, melhor então ser pago por isso — essa é a origem medular da ideia de ser taxista. As coisas começam a mudar quando ele se interessa por uma assistente que trabalha no comitê do presidenciável Charles Palantine. Sua aproximação é obsessiva, inoportuna e insistente, a ponto de Betsy (também solitária) não ter outra alternativa senão aceitar o convite para uma ida ao cinema.
No entanto, o mundo de Travis não se encaixa no padrão social de Betsy. Travis se alimenta do submundo, das noites repletas de vícios, sexo comprado, brigas de rua, seres degenerados (como ele próprio define) vagando por calçadas imundas, recobertas de néons e desesperanças. Dentro dessa lógica, Travis leva Betsy (Cybill Shepherd) para uma sessão de filme pornô. Sem perder tempo, ela reage e abandona Travis. O namoro, que mal começava, chega ao fim.
Nova Iorque é um mundo em louca efervescência, para onde Travis nunca devia ter ido.
Arrastando-se ao longo de dias intermináveis sem que nada aconteça, e ainda tendo que assimilar o fracasso de sua relação com Betsy, Travis busca na violência uma razão imediata para tornar a vida menos entediante. Envolve-se com armas de vários calibres, que ele compra ilegalmente. Pratica tiros em uma academia e modula o corpo com exercícios extenuantes. O objetivo é se preparar (meticulosamente) para uma batalha que, para ele, está prestes a acontecer. De fato, ao se colocar como o paladino da moral e dos bons costumes, encaminhará o confronto anunciado: eliminar da face da terra toda “essa escória humana” que toma conta das madrugadas de Nova Iorque. Travis parece ter encontrado, enfim, um objetivo de vida.
Travis Bickle — representado pelo inominável Robert de Niro — é um jovem que veio para Nova Iorque em busca de oportunidades. No entanto, desenraizado, o que ele encontra é a dura solidão. Incomunicável, relações sociais quase inexistentes, resta-lhe fantasiar uma vida ideal — apresenta-se como um agente secreto do governo. Sua vida vem idealizada nas cartas que envia aos pais, com quem estabelece um distanciamento afetivo calculado. Ao ler as cartas em voz alta, Travis possibilita que o espectador entre em contato com seus sentimentos e apreensões. E o que ele descreve é uma vida que ele não vive — tem bom emprego, ganha muito dinheiro e namora uma linda mulher chamada Betsy. Enfim, Nova Iorque é um mundo em louca efervescência, para onde Travis nunca devia ter ido.
A amostragem social de elementos noturnos transforma Taxi Driver num laboratório de misérias humanas.
Taxi Driver encontra seu principal veio dramático quando o protagonista enfim vai realizar sua grande missão — salvar da prostituição uma menina de doze anos, Iris (Jodie Foster). Conhece-a circunstancialmente, quando ela entra em seu táxi para fugir do cafetão. Após a fracassada tentativa de assassinar o candidato à presidência — o senador Charles Palantine —, Travis se volta para sua nova missão, que o conduzirá para um trágico tiroteio, do qual, inesperadamente, sai como herói. Afinal, na feliz tentativa de salvar Iris da prostituição (receberá uma carta de agradecimento dos pais da menina), Travis desbarata uma quadrilha de gângsteres, a tal escória que ele tanto abomina. Recuperado dos ferimentos, volta com seu táxi para as ruas de Nova Iorque, levando consigo sua inseparável solidão.
Parece não haver lugar para todos nesse mundo.
A amostragem social de elementos noturnos transforma Taxi Driver num laboratório de misérias humanas. As câmeras focam (às vezes timidamente) indivíduos fora de seus enquadramentos ditos civilizados. Agem como seres desnaturalizados, expostos numa vitrine pública, destinados a produzirem pequenos horrores. E o taxista, blindado pela moral tradicional, sonha em combater essas anormalidades que tanto o incomodam. É o que ele diz para Iris, nas várias tentativas de convencê-la a abandonar a vida de prostituta: “O lugar de menina é em casa”. Quer dizer, vestir-se apropriadamente, namorar e ir para a escola. Para Iris, esta é uma visão quadrada da vida. E ela não deixa por menos ao contestá-lo: “Por que você banca o santo comigo?” Esta é a falácia moral na qual Travis está envolvido: ao se preocupar com a vida do outro, se perde na sua.
Em suma. Taxi Driver opera como uma narrativa de alertas. Não há como glamourizar uma realidade que precisa produzir horrores para se manter nos trilhos da normalidade. Esse é o preço a ser pago. Uma parcela de indivíduos agirá como escória, condenados a vagarem pelas calçadas sujas, para que a outra parcela da humanidade durma em travesseiros de plumas. Afinal, parece não haver lugar para todos nesse mundo.
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