Roberto Gerin

Entre Dois Amores - Roberto Gerin

ENTRE DOIS FUJÕES

É muito comum querermos insistir em sonhos que se confundem com necessidades. E não interessa de onde vem a ideia fixa de se cumprir um destino. Parece que só nos completaremos se chegarmos lá aonde intimamente nos propusemos chegar. Portanto, é comum alguém querer, a todo custo, a maternidade, a paternidade, uma viagem para determinado lugar, morar naquele bairro, conseguir aquele emprego, aquela profissão — ou simplesmente se casar. O sonho de que alguém chegue até você e lhe abra o coração com uma simples pergunta. Quer se casar comigo? Isto é sonho ou é uma condição de vida (normal) que se impõe? Querer se casar com alguém e que esse alguém queira se casar com ela, este foi o sonho de vida da protagonista Karen. E Karen é uma dinamarquesa que vai até a África na esperançosa certeza de se tornar uma mulher para um homem que queira lhe oferecer uma aliança e, de quebra, uma saudável vida de casada. Parece simplista essa proposta tão humana, mesmo que amparada por convenções. Mas é dessa busca de Karen, inspirada no romance autobiográfico Den Afrikanske Farm, de Isak Dinesen, publicado em Londres em 1937, que nasce o glamouroso filme ENTRE DOIS AMORES, de Sidney Pollak, drama romântico estadunidense, rodado em 1985. Na tela, o par romântico nas atuações de Meryl Streep e Robert Redford. Para quem procura por momentos de sonhos românticos, não tem filme melhor. Mas fica o aviso. É um amor que paira no ar, sem, contudo, conseguir pousar.

A rica dinamarquesa Karen não entra na relação amorosa pela porta da frente. Ou como se queira, pela porta de uma igreja. Transforma-se em amante de um barão e por este é traída. A traição abala sua autoestima. Vê cada vez mais distante a possibilidade de contrair um casamento normal. Procura no irmão do amante, até então um amigo assíduo, a forma de entrar honrosamente no matrimônio abençoado. Ele, um bon vivant, com título mas sem dinheiro, topa a proposta. Uma boa quantia por um casamento sonhado. Por ela.

Denys, introduzindo-o, é a outra ponta do conflito amoroso.

Vão se casar na África, numa pequena cidade do Quênia, onde adquirem (paga por ela) uma fazenda, ao sopé das montanhas Ngong. O barão Bror, que fora na frente para resolver as questões de investimentos, já a decepciona no primeiro dia. Se o combinado era criar gado, o marido resolve plantar café, quando todos sabem que a região é imprópria para esse tipo de cultivo. Está dada a partida para uma relação insatisfatória, frustrante, que traria para Karen uma coleção de desilusões. O casamento (dela) termina, lógico. Diante de um rosário de traições (dele).

Mas essa história vai sendo contada aos poucos, em doses quase homeopáticas, entremeadas pela vigorosa cultura africana dos nativos que trabalham na fazenda, pela demorada floração do café, e embelezada pelas lindíssimas paisagens, com relevância para as tomadas aéreas a partir do sobrevoo do pequeno avião de Denys. Denys, introduzindo-o, é a outra ponta do conflito amoroso. Não é um barão, como Bror. É o verdadeiro príncipe! Ora encantado, ora desencantado.

Mas Karen não desiste.

Denys é o romântico que preza a liberdade, portanto, preza a si mesmo. Doa-se a uma mulher, porém não muito, pois será preciso, em algum momento, se despedir. Há um mundo de aventuras infinitas lá fora, à sua espera. Lá onde o coração amante sente saudades, mas se demora em retornar para os braços da amada. Configura-se aqui a estrutura masculina das relações trazidas pelo filme. Tanto o barão quanto o forasteiro veem na despedida o portão dourado para a liberdade. E lá, ao longe, o vulto solitário cada vez menor da abandonada Karen. Ama na solidão da espera, ama no desespero da despedida. Talvez o título pudesse ser outro. Entre Dois Fujões.

Mas Karen não desiste.

A vida da baronesa é povoada de incertezas, em meio a um mundo que lhe é hostil, falsamente acolhedor. No entanto, valendo-se de seu esforço de mulher desbravadora, e mais do que isso, movida pela necessidade de se fazer amada, ela busca, em perigosas aventuras, uma oportunidade de se afastar da solidão e, de quebra, arquitetar mais uma tentativa para conquistar definitivamente a pessoa amada. Tudo em vão. Pois tudo será destruído lentamente, numa visão esfumaçada de interesses que não se revelam, afinal, a África é um espaço imensamente aberto, onde os dominadores desenraizados não encontram abrigo senão em suas próprias e mesquinhas intenções.

Em Entre Dois Amores, fica a sensação de que Karen foi procurar o casamento no lugar errado.

Ademais, não se pode exigir muito do homem largado no fim do mundo em nome de uma colonização que deve se perpetuar na oferta de sacrifícios em troca de pequenos confortos e falsos privilégios. Karen não percebeu que, tirante os burocratas encasacados abraçando frouxamente suas mulheres, os homens sem ligação com a burocracia, para aceitar se enfiar nas savanas africanas, sujeitos a doenças e a ataques de animais ferozes, precisam antes de tudo de um inabalável espírito aventureiro. Karen não percebeu esse contraste incompleto entre amor e aventuras. Continuou, em vão, a implorar por um casamento normal.

Em suma. Denys é o símbolo deliciosamente romântico desta liberdade sem fim. Em um dia aprende a pilotar um avião, e passa a singrar os céus com sua pequena aeronave amarela, como o símbolo da irreverência diante de um mundo enquadrado nos conceitos colonialistas do domínio do forte sobre o fraco, do “civilizado” sobre o “selvagem”. Denys não faz parte desta torpe estirpe de homens que exploram seu semelhante em benefício de uma política expansionista inconsequente. E que sempre estará à espera do reconhecimento da rainha e das condecorações que cintilam no reflexo do copo de uísque. Denys é um homem glamouroso, desejável, mas, infelizmente, inalcançável em seus voos solitários. Bem que Karen tentou. Mas, mais uma vez em sua vida, perde a batalha para a poderosa atração chamada liberdade sem responsabilidade afetiva. Fica a sensação de que Karen foi procurar o casamento no lugar errado. Para estrangeiros, a África não é um lugar para se casar. É um lugar para se amar.

 

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