Roberto Gerin

Artigo A Bandeira Esculhambada, por Roberto Gerin

A BANDEIRA ESCULHAMBADA

Estou caminhando por uma larga avenida (não é ficção, a avenida existe), olho para cima e vejo uma bandeira do Brasil presa à vidraça de uma janela residencial. A postura da bandeira é de tamanha fragilidade, que me dá a impressão de desespero. É como se ela se agarrasse ao vidro para não despencar do sétimo andar (tive o capricho de contar os andares).

Sigo meu caminho, mas a imagem da bandeira rota, de cores desbotadas pelo sol, não me sai do pensamento. Pelo contrário: um incômodo incontornável toma conta do meu ser cidadão. Um pensamento mal me fustiga, a ponto de me fazer me sentir culpado.

Passei a achar a bandeira do meu pátrio país feia. Sim, feia! Me perdoem a blasfêmia.

Por que agora essa aversão à minha bandeira?

Vem-me à mente outras bandeiras nacionais espalhadas pelo mundo. Em particular, a bandeira da Argentina. Tão elegante, penso eu. Aquele azul empático, um azul retumbante, autossuficiente. As bandeiras europeias, todas comportadas, seguras de si, o bastião da desejada civilidade estampado nelas. Bandeiras que representam conceitos nobres!

Por que agora essa aversão à minha bandeira? Esse estranhamento?

Tento apagar da mente seu miolo ditatorial. Ordem e progresso! Por que a frase? Um vaticínio, à época? Ou uma aspiração de país grande sonhada por quem forjou a sentença? Penso em pesquisar de quem foi a fatídica ideia. Mas imediatamente me recuso a tal. Medo de descobrir alguma verdade secreta.

Verde com amarelo. Amarelo com azul. O azul socando o verde! Minha alma presa ao labirinto geométrico. A angústia gerada por significados inventados, que tento desvendar na letra do hino nacional. Hino tão ufanista quanto qualquer outro hino de país que queira ter sua própria identidade guerreira.

O que fizeram com a minha bandeira?

Mas o sentimento continua a me torturar. Por que minha bandeira tem que me parecer feia?

A bandeira esfarrapada, esculhambando-se numa janela solitária. Essa é a imagem.

Ainda cogito: quais foram as mãos imprudentes que a deixaram ali? Movidas por qual impulso cidadão? Por que não em todas as janelas; somente naquela? Bandeira silenciosa, ameaçadora. Furiosa, às vezes. Moribunda, enfeando a paisagem. Uma bandeira que não sinto ser minha, porque não está me traduzindo.

Sigo meu caminho, e uma pergunta insiste em me acompanhar: o que fizeram com a minha bandeira?

 

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