Roberto Gerin

Meu Deus! O Yoda! Desapareceu. Não está em lugar nenhum! Chamo-o por toda a casa, não responde nem se apresenta. Sonso, repetia eu, desesperada. Sonso! Não bastam as fugas da esperta da Jade, que já me deixam com o coração na boca, agora essa, o Yoda! O moleque! Que não quer me dizer onde se escondeu! Minha mãe estava ocupada, eu não podia interrompê-la, mas meu coração pedia pra entrar na biblioteca e implorar por ajuda. Varri a casa com os olhos, abri armários, puxei gavetas, levantei a tampa da máquina de lavar roupa, enfiei as mãos por trás do botijão de gás, me agachei pra vasculhar sofás, camas, cadeiras, qualquer coisa que pudesse me revelar o paradeiro do Yoda. Até debaixo da minha cama, no rasgo do tecido por onde a Jade costuma entrar e se esconder pra fugir das minhas raivas, eu vasculhei! Peguei um cabo de vassoura e fui batendo, na esperança de encontrar o corpo do fujão, com certeza se deliciando da minha descontrolada angústia. Conheço o moleque, sei que ele não perde a oportunidade de chamar atenção. Não o encontrei. Meu desespero foi ao limite. Bati na porta da biblioteca e gritei:

— O Yoda fugiu!

Minha mãe me pediu que eu esperasse cinco minutos. Mas não escondeu a preocupação. Ela adora o Yoda, acha-o tão sonso quanto simpático. Tão atrevido quanto amoroso. No minuto seguinte já abria a porta da biblioteca, chamando pelo gato. E dizia: — Estranho… o Yoda é tão solícito, só chamar e já aparece…! Ela usou a tática da torneira. Sempre que minha mãe sai da biblioteca e vai à cozinha tomar água do filtro, ela abre a torneira da pia. O marulhar da água jorrando é a senha para o Yoda aparecer. Pula sobre a bancada de mármore preto, aproxima-se da borda da cuba, e vai lambendo a água caindo lentamente da torneira. Não apareceu.

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Em ato contínuo, automático, pôs-se minha mãe, também ela, a vasculhar a casa. Eu a seguia, Jade me seguia, e Totó, interessado no que estava acontecendo, sabe-se lá o que se passava em sua mente mal-humorada, apenas observava. Não demonstrava desespero nem preocupação. Ah, Totó, sei bem o que se passa nesta cabecinha peluda! Vi quando ele entrou sozinho em meu quarto, rodopiou e imediatamente saiu. Jade não. Angustiada, ela me acompanhava. Emitia seu miado característico, queria me falar algo, mas, na correria do desespero em localizar o Yoda, não lhe dei ouvidos. Antes que o tempo passasse, era o momento de tomarmos uma atitude. Procurar fora do apartamento. Assumir que Yoda havia fugido. 

Corri para o primeiro lugar que me veio à mente. O final do corredor, oposto aos elevadores, no jardim da senhora do último apartamento. Entre vasos e densa folhagem, foi ali que Jade se escondera da última vez que havia fugido. Yoda não estava.

Minha mãe parou diante de um apartamento com a porta de entrada aberta. Chamou pelo morador. Apareceu uma senhora de idade avançada, que havia acabado de chegar com as compras. Garantiu que gato nenhum teria entrado, pelo menos não dera pela presença do animal. E para acalmar a minha mãe, permitiu que ela entrasse e procurasse. Minha mãe estava sem a máscara, não ousou entrar. Agradeceu e corremos escada abaixo saber alguma notícia do porteiro. Não, nada. Ficamos sem o que fazer. Pra onde ir. E nos olhamos. Com o mesmo olhar de dúvida. Não é possível que o Yoda tenha sumido… Não é a cara dele!

Voltamos pra casa. Jade e Totó estavam lado a lado, no meio da sala, e foi nítida a expressão deles ao ver que não trazíamos o Yoda. Jade não manifestou a mínima decepção. Miou, olhando pra minha mãe. Havia um código, mas minha mãe, sempre perspicaz nestas leituras, não deu atenção. Eu sabia que Jade tinha algo a dizer. Peguei-a no colo, ela ficou imóvel, me olhando. Embaixo, Totó, apenas curioso, também não demonstrava preocupação. Será que o Yoda entrou na biblioteca…? Larguei a Jade no chão e corri pra lá. Vasculhamos tudo, atrás dos livros, enfeites, Yoda gostava de se acomodar atrás da coleção vermelha, de onde às vezes ficava observando minha mãe trabalhar. Descia pra pedir um pouco de carinho, e logo retornava ao ninho. Nada.

E agora? 

Bateu o desespero, meus olhos começaram a lacrimar. Fui tomada de uma saudade insuportável do meu gato. Passei a vê-lo distante no tempo, como se já tivessem passado vinte anos! E sua imagem carinhosa de gato pegajoso e independente, travesso, às vezes incontrolável, mas sempre amigo…! Matava o meu gato. De saudades.

Jade desistiu de nos acompanhar. Miava, com certa insistência. Subiu na cama e se deitou ao lado do meu violão. Símbolo de saudade! Dos nossos momentos, quando eu toco e eles ficam me observando, anestesiados pelo som. Sem que eu lhe desse atenção, Jade começou a miar desesperadamente. Me irritou. Para, Jade! Chega! Foi o momento em que minha mãe apontou à porta do meu quarto. Fizera a leitura. Estava iluminada.

— Dentro do violão! — gritou ela, ao perceber que duas cordas estavam arrebentadas. Uma terceira, solta.

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