Roberto Gerin

Resenha Um Estranho no Ninho, por Roberto Gerin

OS REMÉDIOS PARA A LOUCURA 

É a hora dos remédios! Ou como repete a enfermeira, em inglês, junto ao guichê, em frente do qual se alinham os loucos: medication time! Pois é. Este é o filme dos remédios. E também o filme da loucura como porta de entrada para a tão sonhada liberdade. Estamos falando do premiadíssimo UM ESTRANHO NO NINHO (133’), dirigido por Milos Forman, EUA (1975), e que tem no magistral Jack Nicholson (Oscar de Melhor Ator), na pele de McMurphy, a encarnação do humanismo irreverente, um modo de viver que se confunde com loucura, mas que não passa de uma tentativa desesperada de viver fora das linhas civilizatórias. É um se destruir nos excessos, tendo como ponto de referência a máscara sagrada da insubordinação.

A avaliação dos profissionais sobre o estado mental de McMurphy é inconclusiva.

Essa é a história a ser contada. Todos aqueles que tentam pular a cerca da refinada normalidade serão estraçalhados por lobos de plantão. Neste caso, em Um Estranho no Ninho, estamos falando da estrutura do sistema psiquiátrico, com suas leis perversas, onde não cabe olhar para o humano, senão pelo que o ”louco” representa de ameaça para a sociedade. Randle Patrick McMurphy é a quintessência da busca tresloucada pela liberdade sem concessões. A liberdade perigosa. Ameaçadora. Portanto, uma busca que pretensamente terá que terminar em loucura.

Um Estranho no Ninho fala dos sonhos que não puderam se realizar.

McMurphy é um presidiário que cumpre pena por delitos de agressão física e sexual. Um descontrolado que acha que a vida pode ser vivida sem que lhe cuspam regras. E estes comportamentos transgressores ele os reproduz na prisão, obrigando a que o encaminhassem para um hospital psiquiátrico. É sua entrada nessa instituição que dá existência a uma narrativa pungente, em que se discute como é ser um estranho num mundo em que o limite entre normalidade e loucura é tênue, discutível e, em algumas situações, mentiroso. A avaliação dos profissionais sobre o estado mental de McMurphy prova isso. É inconclusiva.

A inconclusão, à primeira vista, vem da manipulação. E toda manipulação tende a gerar dúvidas.  Não estaria o presidiário fingindo-se de louco para fugir à prisão? Se sim, McMurphy saiu de uma loucura para entrar em outra.

Um Estranho no Ninho antevê as distorções, o conservadorismo e o despotismo vigentes nos hospitais psiquiátricos mundo afora.

O filme nos leva a discussões que vão além da imaginação narrativa de um roteiro que se empenha, com sucesso, em construir mais um belo filme para Hollywood. E aqui, juntamente com a magnífica atuação de Jack Nicholson, incluindo-se aí também todos os outros atores que deram vida à loucura, reside a consistência clássica do filme. Um Estranho no Ninho antevê as distorções, o conservadorismo e o despotismo vigentes nos hospitais psiquiátricos mundo afora. Estes hospitais não são um lugar de cura, são um lugar de aprisionamento.

O autor do livro homônimo em que se baseia o filme, Ken Kesey, trabalhou em hospital psiquiátrico, por isso pôde sintetizar nas páginas do seu romance a realidade histórica destas instituições. E para situar o espectador em relação à época em que o filme foi realizado, podemos falar do famoso psiquiatra italiano Franco Basaglia, surgido no pós-guerra, e talvez o nome que mais representa a reação ao confinamento como método terapêutico para doenças mentais. A humanização e a socialização no tratamento dos pacientes era o que ele defendia. E era também o que defendia à época Nise da Silveira, nossa grande psiquiatra do Centro Psiquiátrico Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, retratada no belo filme Nise – o Coração da Loucura.

Pelo contrário. Gostariam muito de seguir os passos daquele maluco do McMurphy!

O que vamos presenciar em Um Estranho no Ninho é justamente o contrário: a insistência no confinamento. No excesso de regras. Autoritarismo, rigidez, frieza, remédios, mais remédios, muito remédio! Burocracia. Culpabilização do sexo. A ausência do afeto familiar. Que psíquico, por menos perturbado que seja, aguentaria tamanha falta de ingredientes humanos! Este foi o ambiente que McMurphy encontrou ao adentrar o hospital psiquiátrico. Como dissemos. Se se fingir de louco foi a sua manobra, ele caiu, em cheio, no lugar errado.

McMurphy logo percebe o quão felizes eles se sentiam toda vez que transgrediam.

Ao levar seu estilo inconsequente de viver para os outros internos, McMurphy vai, a princípio, encontrar grandes resistências por parte dos “loucos”. E muita má vontade. Logo percebe, no entanto, que não se trata de recusar o que ele lhes sugere e oferece. Pelo contrário. Gostariam muito de seguir os passos daquele maluco do McMurphy! A recusa se deve ao medo de quebrarem as regras estabelecidas, pois sabiam que a punição, os abomináveis choques elétricos, acontecia ali, na sala ao lado.

Mas McMurphy não se intimida, nunca! Ele ajuda seus companheiros a se rebelarem. Ele os conduz. E logo percebe o quão felizes eles se sentiam toda vez que transgrediam. O que se via, nestes momentos, não eram indivíduos mentalmente ausentes, mas seres humanos vibrantes que se sentiam honrados por estarem participando daquelas pequenas transgressões. Era a vida passando por dentro deles, numa dinâmica de prazer e lucidez impróprios ao rótulo de loucos.

Um Estranho no Ninho é um hino à possibilidade de nos livrarmos de nossas loucuras.

A fuga do hospital em um ônibus escolar, dirigido loucamente por McMurphy, que no caminho ainda pega a sua namorada que será cobiçada por todos, afinal louco também quer afeto, quer sexo, o passeio, enfim, vai se tornar para todos um acontecimento memorável. McMurphy os leva para uma fantástica viagem de barco mar adentro, onde pescam um peixe de tamanho nunca antes imaginado por eles. Cenas antológicas e emocionantes, de uma pureza e de uma insana vitalidade, acontecem no barco, naqueles instantes o reduto inviolável da vida saudável.

E, para encerrar, vamos apenas descrever um efeito colateral deste furacão chamado McMurphy. Na companhia de outro furacão, Jack Nicholson.

Para fugirmos à loucura, entregamos nossa liberdade nas mãos dos outros.

McMurphy, em seu plano de fuga, introduz na enfermaria sua namorada e uma amiga dela. Para isso, ele suborna o vigia noturno. Há bebida, há festa, há vida. Mas antes da fuga, querendo atender ao desejo de afeto e sexo do “louco” Billy Bibbit (Drad Dourif), McMurphy oferece sua namorada para Billy, que assim poderá vivenciar seus mais recônditos e agora incontidos desejos. Enquanto todos esperam a noitada de Billy acabar, eles bebem, embebedam-se, depois dormem, e ninguém foge.

Na manhã seguinte, aquele circo de vida iluminada é descoberto pelos agentes da enfermaria. E Billy, evidente, no quarto, deitado, nu, ao lado da namorada de McMurphy, é surpreendido pela cruel e autoritária enfermeira Ratched (Louise Fletcher, que levou o Oscar de Melhor Atriz, e não podia ser diferente).

Que preço aceitaríamos pagar por uma dose de liberdade?

E assim é a vida. Para fugirmos à loucura, entregamos nossa liberdade nas mãos dos outros. Do Estado. Dessa e daquela instituição. Entregamos nossa liberdade para o patrão, para o amigo, para quem nem conhecemos. Qual será o preço que McMurphy irá pagar ao se recusar a entregar sua liberdade para a enfermeira Ratched? E nós, que preço aceitaríamos pagar por uma dose de liberdade? Se toparmos encarar algum momento de loucura, uma coisa tem que ficar clara. Não há negociação. Se é negociado, não é loucura. Será apenas mais uma prisão.

Bem, paremos por aqui, porque agora é a hora dos remédios. Quem se candidata a entrar na fila? Da pipoca.

 

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