Roberto Gerin

Resenha Copo Vazio, por Roberto Gerin

AMAR NÃO É PRIVILÉGIO DE GÊNERO

 Ao ler o belo romance de Natalia Timerman, COPO VAZIO, 149 p., ed. Todavia, inevitavelmente, sem que nos demos conta, vamos entrando, como um visitante convidado, na pele e na alma da personagem Mirela. Caminharemos com ela durante toda a narrativa como espectadores de uma cena em um único plano-sequência. Não há como abandoná-la. Virar-lhe as costas. E ao fechar o livro para um descanso, um cafezinho, sabemos que, ao retomar a leitura, ela estará no mesmo lugar, à nossa espera, para continuar a nos contar sua história de amor desencontrado. Iremos nos comover com sua incompleta trajetória amorosa (a vida profissional é perfeita), o vazio expandindo-se através do copo que reflete as angústias de uma mulher que simplesmente quer amar e ser amada. Essa é a busca quase obsessiva de Mirela. Apenas ter alguém com quem dividir o cotidiano.

Quando estamos amando, tudo parece fluir em outro ritmo, como se uma redoma de felicidades cambiantes nos envolvesse. Mas, ao não sermos correspondidos, a certeza — e a força — desse amor se esvai. Aos poucos distanciamo-nos dele, resolvemos nossas dores e logo estaremos prontos para recomeçar a busca por um novo amor, em uma nova relação. Não é este o caso de Mirela.

Ao não ser correspondida, Mirela passa a duvidar do próprio amor por Pedro.

Ela pode até iniciar outros relacionamentos, mas o que permanece é o amor antigo, não correspondido. Ocupando sua mente e coração. Enchendo-a de dúvidas. De esperas e buscas angustiantes. Por mais que ela tente e queira, não cabe outra tentativa de amar. Volta sempre ao mesmo ponto. Quem sabe no próximo encontro tudo será diferente. Ele voltará inteiro para ela. Esta submissão ao improvável amor do outro a exaspera. E exaspera o leitor, que aos poucos perde a esperança de torcer por um final feliz. E é neste ponto que a personagem nos coopta e nos comove. Ela não deixa de acreditar na possiblidade real do amor do outro por ela. E é por acreditar, que ela não desiste.

A eficiência da estrutura narrativa fica clara quando Natalia Timerman vai além na sua proposta. Ao não ser correspondida, Mirela passa a duvidar do próprio amor por Pedro. Percebam a volatilidade dos sentimentos, que nos deixa perplexos e atarantados.

Em Copo Vazio, temos a engrenagem do amor que não consegue dar seu giro completo.

Mirela é uma arquiteta bem-sucedida em busca de um relacionamento que ela vai encontrar, incentivada pela irmã, nas redes sociais. Aqui o romance Copo Vazio já apresenta uma situação bem ousada. Não vamos a festas e a lugares badalados para encontrar nossa cara metade. A internéti está em nossos celulares para nos oferecer um cardápio de amores.

Mirela começa um relacionamento promissor com Pedro, o príncipe alto, loiro, lindo de morrer, sonhado por tantas mulheres… Mas é um príncipe afetivamente escorregadio! E é aqui que os problemas começam.

Por mais que Mirela tente segurá-lo, Pedro desliza por entre seus dedos, na calada da madrugada, sem que ela sequer tenha tempo de perguntar por que ele está indo embora. De novo.

É a engrenagem do amor que não consegue dar seu giro completo. Em algum momento, um movimento inesperado, alheio à compreensão de Mirela, fará com que tudo saia do eixo. O que torna, paradoxalmente, Copo Vazio, um romance tão cativante quanto angustiante.

Copo Vazio não é um livro, como erroneamente se pode afirmar, para mulheres.

Amparada por um estilo limpo, escorreito, pendular e preciso, Natalia Timerman edifica a estrutura da narrativa em dois tempos, o agora e o antes, alternando os capítulos, como se fossem espelhos colocados uns diante dos outros, numa projeção sem fim de encontros e não encontros, presenças e não presenças. Resta saber, e aqui nos omitimos, quem vencerá esse jogo.

Em suma. Copo Vazio se coloca em um patamar literário reservado aos grandes romances nacionais contemporâneos, reforçando a grata surpresa da cada vez mais vigorosa literatura feminina ocupando os espaços literários sisudos construídos por homens de letras. E não é um livro, como erroneamente se pode afirmar, para mulheres. Pelo contrário. É um romance que deve ser lido por homens. Primeiro, para conhecer bem de perto os sutis movimentos de uma alma feminina em constante busca de si e do outro. E depois, porque homens também buscam amar e ser amados. Afinal, assim como fazer literatura, amar apaixonada e até obsessivamente não é privilégio de gênero.

 

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